Quintas de Criminologia
FACÇÕES
Eu pretendia escrever textos sobre temas de Criminologia às quintas-feiras, porém, nem sempre o ambiente ajuda.
Até hoje e agora.
A partir deste texto, irei iniciar uma pequena série de reflexões bastante críticas sobre um tema que é praticamente um tabu na área das Ciências Criminais:
Até hoje e agora.
A partir deste texto, irei iniciar uma pequena série de reflexões bastante críticas sobre um tema que é praticamente um tabu na área das Ciências Criminais:
FACÇÕES.
No primeiro texto que escrevi sobre o assunto, no dia 04 de abril, comentei a respeito da forma como dois políticos iriam tratar do tema da criminalidade: um pretendia adotar a política do "bandido bom é bandido morto" e o outro pretendia administrar o problema carcerário.
O primeiro político é o governador de São Paulo, João Dória.
O segundo é um procurador de justiça, um não-político, responsável pela direção da secretaria de assuntos penitenciários do Rio Grande do Sul.
O RS também é um estado governado por um político do PSDB, um "tucano".
Logo, estamos diante de um mesmo partido, mas duas posturas bem diferentes.
Amanhã, domingo, dia 21 de abril, o jornal Correio do Povo fará uma reportagem especial sobre as facções criminosas no estado.
"Coincidentemente", no site da concorrente - Gaúcha ZH/Clic RBS -, encontro uma matéria sobre a situação da falta de vagas nas delegacias e penitenciárias.
Ontem, vejo uma outra manchete sobre o predomínio completo de uma facção em todo o estado da Paraíba.
Para terminar, não posso deixar de lembrar de uma das propostas do Min. Sérgio Moro em seu polêmico pacote "anticrime": dar nome aos bois, neste caso, às facções criminosas.
Portanto, eu não poderia deixar de escrever algo sobre este tema que, até alguns anos atrás, não me chamava atenção, até...
Por que devemos falar seriamente sobre facções criminosas?
Há cerca de, aproximadamente, dois anos, conheci um estudante de Direito que queria escrever seu TCC sobre facções.
A princípio, achei o tema "meio batido", "sem graça", contudo, conversando com ela, chegamos ao consenso que sim, havia um espaço inexplorado sobre isso na academia e que ela deveria se arriscar, apesar da imensa dificuldade em obter material.
Havia muito pouca coisa escrita nos livros especializados, mas concordamos em seguir adiante. Eu prometi ajudá-la como pudesse.
Qual era teu tema de pesquisa: analisar as diferenças e semelhanças entre as facções gaúchas e as paulistas/cariocas para melhor compreendê-las.
A maior parte do material de pesquisa se limitava a reportagens de jornais e revistas sobre as facções gaúchas. Sobre o Primeiro Comando da Capital (PCC) de São Paulo, existia bastante material acadêmico e alguma coisa sobre o Comando Vermelho (CV) do Rio de Janeiro. Aqui no Rio Grande do Sul, tudo se limitava a um único livro, escrito por uma jornalista, e que estava esgotado há tempos.
Na mesma época, foi lançado o documentário Central, inspirado nesse livro que, já aviso, não me agradou. Lembro que o próprio Correio do Povo havia feito outra reportagem especial sobre o tema meses antes e, como assinante do jornal, esperava ainda tê-la. Infelizmente, ela foi jogada fora.
Foi uma verdadeira via crucis (ora, estamos em época de páscoa) para tentar encontrar essa reportagem, sem sucesso. Iríamos ter que nos virar com o que pudéssemos.
Na minha ótica, o projeto estava muito bom e precisaria de pequenos ajustes. Infelizmente, a vida acadêmica possui caminhos obscuros e o projeto da menina sofreu profundas reformulações. Um imenso potencial foi desperdiçado por razões ainda misteriosas para mim. Porém, ficou a experiência de abraçar uma causa digna de luta.
Agora, semanas atrás, uma aluna do curso de mestrado em Ciências Sociais da PUCRS defendeu sua dissertação que tratava, justamente, das facções criminosas gaúchas, com amplo material empírico e não apenas debate teórico estéril. Assim que estiver pronto, pretendo apreciá-lo. Adoro trabalhos com dados. Dá um colorido melhor à pesquisa.
A partir das conclusões preliminares desse projeto de TCC, a ficha "caiu", ou seja, compreendi o porquê da falência das políticas de segurança pública aqui no Rio Grande do Sul, somadas as minhas experiências pessoais na advocacia criminal.
Por uma razão bem simples eu destaquei a palavra FACÇÕES no título deste texto e no corpo dele:
o primeiro passo para se resolver qualquer problema é admitir que existe um problema.
Porém, a questão relacionada às facções ainda é um tabu.
Academicamente e no dia a dia, todo mundo que atue na área das Ciências Criminais as reconhece como um fato. Elas existem.
Policiais e promotores adoram relacionar os problemas de criminalidade (unicamente) às facções e culpar as disputas entre elas pelos índices de violência nas ruas, bem como os homicídios que ocorrem na periferia.
Juízes também as reconhecem, mas com menor discrição. Não abertamente em suas decisões judiciais.
Na academia, inúmeros trabalhos de Criminologia poderiam (e deveriam) ser feitos com mais frequência, no estudo deste fenômeno social. Aos poucos, a resistência tem sido quebrada porque, como disse, facções ainda é um tabu.
Contudo, o Poder Executivo jamais admite sua existência e suas consequências.
Por quê?
Porque admitir e reconhecer a existência das facções criminosas é admitir todas as demais consequências, assunto que pretendo abordar na próxima postagem.
E por isso é corajosa a proposta do pacote anticrime em nomear expressamente a existência desses grupos antes de combatê-los de frente.
O governo vai reconhecer a existência desse problema antes de buscar sua solução.
Não existe objeto de pesquisa mais rico do que FACÇÕES para estudo da Criminologia.
Praticamente todas as teorias podem ser utilizadas para tentar se compreender esses grupos, sem que haja uma resposta definitiva.
No entanto, é preciso se querer o estudo e, hoje, apenas os veículos de mídia têm se prestado a esse trabalho, ainda que de forma não acadêmica e sim meramente informativa. Já é um começo, pois a imprensa possui uma facilidade para se obter alguns dados concretos que são de difícil acesso a meros cidadãos...
Na próxima semana, continuamos com esta pauta.
Aposto que a reportagem do CP estará excelente.
Bom domingo para todos.
Links:
O primeiro político é o governador de São Paulo, João Dória.
O segundo é um procurador de justiça, um não-político, responsável pela direção da secretaria de assuntos penitenciários do Rio Grande do Sul.
O RS também é um estado governado por um político do PSDB, um "tucano".
Logo, estamos diante de um mesmo partido, mas duas posturas bem diferentes.
Amanhã, domingo, dia 21 de abril, o jornal Correio do Povo fará uma reportagem especial sobre as facções criminosas no estado.
"Coincidentemente", no site da concorrente - Gaúcha ZH/Clic RBS -, encontro uma matéria sobre a situação da falta de vagas nas delegacias e penitenciárias.
Ontem, vejo uma outra manchete sobre o predomínio completo de uma facção em todo o estado da Paraíba.
Para terminar, não posso deixar de lembrar de uma das propostas do Min. Sérgio Moro em seu polêmico pacote "anticrime": dar nome aos bois, neste caso, às facções criminosas.
Portanto, eu não poderia deixar de escrever algo sobre este tema que, até alguns anos atrás, não me chamava atenção, até...
Por que devemos falar seriamente sobre facções criminosas?
Há cerca de, aproximadamente, dois anos, conheci um estudante de Direito que queria escrever seu TCC sobre facções.
A princípio, achei o tema "meio batido", "sem graça", contudo, conversando com ela, chegamos ao consenso que sim, havia um espaço inexplorado sobre isso na academia e que ela deveria se arriscar, apesar da imensa dificuldade em obter material.
Havia muito pouca coisa escrita nos livros especializados, mas concordamos em seguir adiante. Eu prometi ajudá-la como pudesse.
Qual era teu tema de pesquisa: analisar as diferenças e semelhanças entre as facções gaúchas e as paulistas/cariocas para melhor compreendê-las.
A maior parte do material de pesquisa se limitava a reportagens de jornais e revistas sobre as facções gaúchas. Sobre o Primeiro Comando da Capital (PCC) de São Paulo, existia bastante material acadêmico e alguma coisa sobre o Comando Vermelho (CV) do Rio de Janeiro. Aqui no Rio Grande do Sul, tudo se limitava a um único livro, escrito por uma jornalista, e que estava esgotado há tempos.
Na mesma época, foi lançado o documentário Central, inspirado nesse livro que, já aviso, não me agradou. Lembro que o próprio Correio do Povo havia feito outra reportagem especial sobre o tema meses antes e, como assinante do jornal, esperava ainda tê-la. Infelizmente, ela foi jogada fora.
Foi uma verdadeira via crucis (ora, estamos em época de páscoa) para tentar encontrar essa reportagem, sem sucesso. Iríamos ter que nos virar com o que pudéssemos.
Na minha ótica, o projeto estava muito bom e precisaria de pequenos ajustes. Infelizmente, a vida acadêmica possui caminhos obscuros e o projeto da menina sofreu profundas reformulações. Um imenso potencial foi desperdiçado por razões ainda misteriosas para mim. Porém, ficou a experiência de abraçar uma causa digna de luta.
Agora, semanas atrás, uma aluna do curso de mestrado em Ciências Sociais da PUCRS defendeu sua dissertação que tratava, justamente, das facções criminosas gaúchas, com amplo material empírico e não apenas debate teórico estéril. Assim que estiver pronto, pretendo apreciá-lo. Adoro trabalhos com dados. Dá um colorido melhor à pesquisa.
A partir das conclusões preliminares desse projeto de TCC, a ficha "caiu", ou seja, compreendi o porquê da falência das políticas de segurança pública aqui no Rio Grande do Sul, somadas as minhas experiências pessoais na advocacia criminal.
Por uma razão bem simples eu destaquei a palavra FACÇÕES no título deste texto e no corpo dele:
o primeiro passo para se resolver qualquer problema é admitir que existe um problema.
Porém, a questão relacionada às facções ainda é um tabu.
Academicamente e no dia a dia, todo mundo que atue na área das Ciências Criminais as reconhece como um fato. Elas existem.
Policiais e promotores adoram relacionar os problemas de criminalidade (unicamente) às facções e culpar as disputas entre elas pelos índices de violência nas ruas, bem como os homicídios que ocorrem na periferia.
Juízes também as reconhecem, mas com menor discrição. Não abertamente em suas decisões judiciais.
Na academia, inúmeros trabalhos de Criminologia poderiam (e deveriam) ser feitos com mais frequência, no estudo deste fenômeno social. Aos poucos, a resistência tem sido quebrada porque, como disse, facções ainda é um tabu.
Contudo, o Poder Executivo jamais admite sua existência e suas consequências.
Por quê?
Porque admitir e reconhecer a existência das facções criminosas é admitir todas as demais consequências, assunto que pretendo abordar na próxima postagem.
E por isso é corajosa a proposta do pacote anticrime em nomear expressamente a existência desses grupos antes de combatê-los de frente.
O governo vai reconhecer a existência desse problema antes de buscar sua solução.
Não existe objeto de pesquisa mais rico do que FACÇÕES para estudo da Criminologia.
Praticamente todas as teorias podem ser utilizadas para tentar se compreender esses grupos, sem que haja uma resposta definitiva.
No entanto, é preciso se querer o estudo e, hoje, apenas os veículos de mídia têm se prestado a esse trabalho, ainda que de forma não acadêmica e sim meramente informativa. Já é um começo, pois a imprensa possui uma facilidade para se obter alguns dados concretos que são de difícil acesso a meros cidadãos...
Na próxima semana, continuamos com esta pauta.
Aposto que a reportagem do CP estará excelente.
Bom domingo para todos.
Links:
A ascensão da Okaida, facção criminosa com 6 mil 'soldados' na Paraíba
Presos a céu aberto na Capital: quatro dias algemados em viaturas, dormindo sentados e comendo com as mãoshttps://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2019/04/presos-a-ceu-aberto-na-capital-quatro-dias-algemados-em-viaturas-dormindo-sentados-e-comendo-com-as-maos-cjupuuyfh01zp01p54cqam5q3.html
Mais da metade dos detentos estão ligados a facções dentro dos presídios da região Metropolitana
https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/pol%C3%ADcia/mais-da-metade-dos-detentos-est%C3%A3o-ligados-a-fac%C3%A7%C3%B5es-dentro-dos-pres%C3%ADdios-da-regi%C3%A3o-metropolitana-1.333909
Pacote "Anticrime" do Min. Sérgio Morohttps://cdn.oantagonista.net/uploads/2019/02/MJSP-Projeto-de-Lei-Anticrime.pdf
Mais da metade dos detentos estão ligados a facções dentro dos presídios da região Metropolitana
https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/pol%C3%ADcia/mais-da-metade-dos-detentos-est%C3%A3o-ligados-a-fac%C3%A7%C3%B5es-dentro-dos-pres%C3%ADdios-da-regi%C3%A3o-metropolitana-1.333909
Pacote "Anticrime" do Min. Sérgio Morohttps://cdn.oantagonista.net/uploads/2019/02/MJSP-Projeto-de-Lei-Anticrime.pdf