sábado, 20 de abril de 2019

Quintas de Criminologia

FACÇÕES  

Eu pretendia escrever textos sobre temas de Criminologia às quintas-feiras, porém, nem sempre o ambiente ajuda.

Até hoje e agora.

A partir deste texto, irei iniciar uma pequena série de reflexões bastante críticas sobre um tema que é praticamente um tabu na área das Ciências Criminais:

FACÇÕES.

No primeiro texto que escrevi sobre o assunto, no dia 04 de abril, comentei a respeito da forma como dois políticos iriam tratar do tema da criminalidade: um pretendia adotar a política do "bandido bom é bandido morto" e o outro pretendia administrar o problema carcerário.

O primeiro político é o governador de São Paulo, João Dória.

O segundo é um procurador de justiça, um não-político, responsável pela direção da secretaria de assuntos penitenciários do Rio Grande do Sul.

O RS também é um estado governado por um político do PSDB, um "tucano".

Logo, estamos diante de um mesmo partido, mas duas posturas bem diferentes.

Amanhã, domingo, dia 21 de abril, o jornal Correio do Povo fará uma reportagem especial sobre as facções criminosas no estado.

"Coincidentemente", no site da concorrente - Gaúcha ZH/Clic RBS -, encontro uma matéria sobre a situação da falta de vagas nas delegacias e penitenciárias.

Ontem, vejo uma outra manchete sobre o predomínio completo de uma facção em todo o estado da Paraíba.

Para terminar, não posso deixar de lembrar de uma das propostas do Min. Sérgio Moro em seu polêmico pacote "anticrime": dar nome aos bois, neste caso, às facções criminosas.

Portanto, eu não poderia deixar de escrever algo sobre este tema que, até alguns anos atrás, não me chamava atenção, até...

Por que devemos falar seriamente sobre facções criminosas?

Há cerca de, aproximadamente, dois anos, conheci um estudante de Direito que queria escrever seu TCC sobre facções.

A princípio, achei o tema "meio batido", "sem graça", contudo, conversando com ela, chegamos ao consenso que sim, havia um espaço inexplorado sobre isso na academia e que ela deveria se arriscar, apesar da imensa dificuldade em obter material.

Havia muito pouca coisa escrita nos livros especializados, mas concordamos em seguir adiante. Eu prometi ajudá-la como pudesse.

Qual era teu tema de pesquisa: analisar as diferenças e semelhanças entre as facções gaúchas e as paulistas/cariocas para melhor compreendê-las.

A maior parte do material de pesquisa se limitava a reportagens de jornais e revistas sobre as facções gaúchas. Sobre o Primeiro Comando da Capital (PCC) de São Paulo, existia bastante material acadêmico e alguma coisa sobre o Comando Vermelho (CV) do Rio de Janeiro. Aqui no Rio Grande do Sul, tudo se limitava a um único livro, escrito por uma jornalista, e que estava esgotado há tempos.

Na mesma época, foi lançado o documentário Central, inspirado nesse livro que, já aviso, não me agradou. Lembro que o próprio Correio do Povo havia feito outra reportagem especial sobre o tema meses antes e, como assinante do jornal, esperava ainda tê-la. Infelizmente, ela foi jogada fora.

Foi uma verdadeira via crucis (ora, estamos em época de páscoa) para tentar encontrar essa reportagem, sem sucesso. Iríamos ter que nos virar com o que pudéssemos.

Na minha ótica, o projeto estava muito bom e precisaria de pequenos ajustes. Infelizmente, a vida acadêmica possui caminhos obscuros e o projeto da menina sofreu profundas reformulações. Um imenso potencial foi desperdiçado por razões ainda misteriosas para mim. Porém, ficou a experiência de abraçar uma causa digna de luta.

Agora, semanas atrás, uma aluna do curso de mestrado em Ciências Sociais da PUCRS defendeu sua dissertação que tratava, justamente, das facções criminosas gaúchas, com amplo material empírico e não apenas debate teórico estéril. Assim que estiver pronto, pretendo apreciá-lo. Adoro trabalhos com dados. Dá um colorido melhor à pesquisa.

A partir das conclusões preliminares desse projeto de TCC, a ficha "caiu", ou seja, compreendi o porquê da falência das políticas de segurança pública aqui no Rio Grande do Sul, somadas as minhas experiências pessoais na advocacia criminal.

Por uma razão bem simples eu destaquei a palavra FACÇÕES no título deste texto e no corpo dele:

o primeiro passo para se resolver qualquer problema é admitir que existe um problema.

Porém, a questão relacionada às facções ainda é um tabu.

Academicamente e no dia a dia, todo mundo que atue na área das Ciências Criminais as reconhece como um fato. Elas existem.

Policiais e promotores adoram relacionar os problemas de criminalidade (unicamente) às facções e culpar as disputas entre elas pelos índices de violência nas ruas, bem como os homicídios que ocorrem na periferia.

Juízes também as reconhecem, mas com menor discrição. Não abertamente em suas decisões judiciais.

Na academia, inúmeros trabalhos de Criminologia poderiam (e deveriam) ser feitos com mais frequência, no estudo deste fenômeno social. Aos poucos, a resistência tem sido quebrada porque, como disse, facções ainda é um tabu.

Contudo, o Poder Executivo jamais admite sua existência e suas consequências.

Por quê?

Porque admitir e reconhecer a existência das facções criminosas é admitir todas as demais consequências, assunto que pretendo abordar na próxima postagem.

E por isso é corajosa a proposta do pacote anticrime em nomear expressamente a existência desses grupos antes de combatê-los de frente.

O governo vai reconhecer a existência desse problema antes de buscar sua solução.

Não existe objeto de pesquisa mais rico do que FACÇÕES para estudo da Criminologia.

Praticamente todas as teorias podem ser utilizadas para tentar se compreender esses grupos, sem que haja uma resposta definitiva.

No entanto, é preciso se querer o estudo e, hoje, apenas os veículos de mídia têm se prestado a esse trabalho, ainda que de forma não acadêmica e sim meramente informativa. Já é um começo, pois a imprensa possui uma facilidade para se obter alguns dados concretos que são de difícil acesso a meros cidadãos...

Na próxima semana, continuamos com esta pauta.

Aposto que a reportagem do CP estará excelente.

Bom domingo para todos.

Links
:
A ascensão da Okaida, facção criminosa com 6 mil 'soldados' na Paraíba
Sextou (sabadou) com... Ciências Criminais

Por que devorar Making a Murderer (pt 1)
Leitores e leitoras, meus cumprimentos.

Estou devendo alguns textos esta semana. Não nego.

Porém, o mundo jurídico andou um pouco morno, exceto quanto ao imbróglio criado pelo Supremo Tribunal Federal no caso dos sites Crusoé e O Antagonista, que comentei na última quarta-feira.

E, para a surpresa de todos, o Min. Alexandre de Moraes, defendendo que as notícias eram (pasmem!!!) verdadeiras, revogou a suspensão (censura) dos sites.

Ora, a esta altura do campeonato, todo mundo já sabia do que se tratava as matérias proibidas, com as respectivas provas.

Pois bem, hoje, como é o prometido, irei abordar temas da cultura pop.

E, desculpem-me alguns, contudo, irei me dedicar a um bom tempo ao seriado Making a Murderer, pois, como disse noutro dia, ele mexeu com a minha cabeça.

[enquanto escrevia este texto, faltou luz aqui em casa; felizmente, o rascunho foi salvo...]

Por que eu recomendo, fortemente, que assistam a este documentário?
Porque ele é extremamente didático, além de verdadeiro.

Os próprios norte-americanos ficaram surpresos com seu sistema de justiça criminal que mal conheciam, apesar dos inúmeros programas policiais, com Lei e Ordem, CSI, Suits e tantos.

A diferença é que Making a Murderer não é um programa policial, mas sim do sistema jurídico-criminal em seu todo, mostrando o trabalho policial e o que ocorre depois que os "bandidos são presos"; como é o julgamento por seus atos.

Making a Murderer possui duas temporadas. Cada uma delas possui sua própria narrativa e podem ser vistas separadamente, embora a história seja uma só.

Cada temporada possui 10 episódios e não existe previsão para uma 3ª (ainda).

Aqui, irei me ater à 1ª temporada.

Primeira temporada - o julgamento de Steven Avery e Brandon Dassey
Já no 1º episódio, somos apresentados a todos os principais personagens da história: Steven, os policiais da cidade e os promotores.

Na estreia, Steven é descrito como um homem simples e com eventuais problemas com a polícia por atritos de menor importância. Porém, como ele vive em uma cidade pequena, Steven ficou "marcado" pela polícia, que queria vê-lo preso por mais tempo.

Então, em 1985, uma mulher, conhecida nos altos círculos sociais da cidade, é vítima de um ataque sexual (tentativa de estupro e homicídio). O ato não se consuma e ele foge. Devido à descrição do agressor, é feito um desenho do mesmo e Steven é preso, julgado e condenado pelo crime.

Em 2003, 18 anos depois, exames de DNA comprovam a inocência de Avery. O verdadeiro culpado é encontrado, já que possuía ficha policial, fora preso anteriormente e também tinha histórico de crimes sexuais.

Durante a revisão do caso, a defesa constatou que não se trata de um simples erro policial, mas sim que as autoridades policiais não investigaram de propósito e fizeram o possível para incriminá-lo.

Não irei contar como, senão, seriam spoilers... Assistam e surpreendam-se!
Tão logo ele é solto, decide processar o estado pela condenação injusta. Fim do primeiro episódio.

Avery é novamente acusado pelo homicídio de outra mulher em 2005.

Esse crime ocorreu dias após o fim da sindicância para apurar a responsabilidade da polícia em seu caso de condenação injusta.

Durante a investigação, seu sobrinho, Brandan Dassey, é igualmente acusado, com base, unicamente, em uma questionável confissão que fez. Ele tinha apenas 16 de idade.

Steven, então, faz um acordo com o estado e usa o dinheiro para pagar pelos advogados que irão defendê-lo no caso de homicídio.

Os próximos 6 episódios mostram o desenrolar do julgamento, com a apresentação das provas, a inquirição das testemunhas, alguns bastidores da defesa.

Steven, novamente, é condenado. Ano: 2007.
Pena: prisão perpétua, sem direito a livramento condicional.

E, como escrevi em outro texto, cabe a cada um que assistir julgar se o veredicto é justo ou não.

As principais provas foram mostradas no documentário.

Paralelamente a isso, ocorre o julgamento de Brendan.

O Ministério Público, de propósito, decide processar Dassey separadamente. A única prova da acusação foi sua confissão.

O documentário também mostra o histórico da defesa do adolescente, nitidamente abaixo do normal para sua idade.

Brendan Dassey também foi condenado. Ano: 2007.
Pena: perpétua, com livramento condicional em 2048.

O diferencial do documentário

Como referi, a maioria dos seriados policiais apenas exibe a investigação, como CSI e Lei e Ordem. Os policiais são tratados como pessoas íntegras, honestas, acima de qualquer suspeita; o trabalho de investigação é perfeito. A perícia não erra e faz de tudo para encontrar o verdadeiro culpado.

Seriados jurídicos apresentam advogados que não perdem seus casos, que podem descobrir qualquer solução jurídica e possuem todos os meios para defender seus clientes. Toda resposta é encontrada em questão de horas ou dias.

Contudo, a vida real é bem diferente da arte, da ficção.

O julgamento verdadeiro demorou semanas.

Páginas e páginas de provas e depoimentos foram analisados.

Dezenas de pessoas, policiais e peritos testemunharam nesse caso.

Aqui, nós, brasileiros, acompanhamos um processo do início ao fim, desde a comunicação do crime até a sentença.

Existe a investigação, prisão do suspeito, audiências iniciais de preparação e o julgamento pelo júri. Esse ritual todo é bastante diferente do modelo aqui do Brasil e irei falar dele na próxima semana. Irei comparar brevemente cada rito processual penal.

O próprio documentário é um programa sensacional.

Percebe-se o cuidado e o trabalho que As criadorAs tiveram em contar a história.

O crime ocorreu em outubro de 2005. A sentença saiu dois anos depois. As criadoras do programa demoraram quase 10 anos para encontrar as peças e montar o documentário e o resultado é fascinante.

O crime e o julgamento receberam uma cobertura da mídia sem igual à época, porque Steven era uma pessoa famosa por ter sido injustamente condenada.

Cada episódio possui cerca de 1h de duração e a narrativa não é cansativa e quanto mais o tempo avança, mais queremos saber como vai terminar.

O foco é em Steven, porém, na hora certa, conta-se a história de Brendan.

Também conhecemos o dia a dia da família de Steven, especialmente seus pais.

Este documentário abalou os Estados Unidos.

Ele foi lançado na Netflix em dezembro de 2015 e causou uma comoção nacional.

Cada um que assistiu possui seu julgamento. Milhares de pessoas pediram que o Estado reconhecesse a inocência de ambos e os perdoasse, mas os protestos não comoveram as autoridades.

Na cidade onde o crime ocorreu, como era de se esperar, cada cidadão tem seu entendimento.

Meu veredicto

Se puder assistir Making a Murderer, faça-o o quanto antes.

Mesmo sendo um país diferente, com leis diferentes, é possível se perceber algumas semelhanças.

A parcialidade da imprensa, a vontade de punir do Estado a qualquer custo, sempre colocando o povo contra os acusados (que podem ser inocentes), autoridades policiais dando entrevistas sem necessidade e contando detalhes do caso, o trabalho da defesa em casos de grande repercussão e crimes complexos etc.

Sempre pergunto: se você fosse um jurado, iria absolver ou condenar Steven Avery e Brendan Dassey pelos crimes a eles imputados, com as provas que o Ministério Público apresentou?

Este documentário é ainda mais fascinante para quem milita na área criminal e assiste ao programa com os olhos da lei, como eu fiz. E que irei abordar na próxima semana em duas postagens (Diário de um criminalista e Quarta-feira de processo penal).

Semana que vem, a análise da 2ª temporada.

Irei retomar boa parte do exame da 1ª, pois alguns temas se relacionam e que merecem ser explicados de outra forma.

PS: assistam. Não irão se arrepender!!!

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Quarta-feira de processo penal

15 de abril de 2019: o dia em que tudo pegou fogo (literalmente)

Eu não acredito em coincidências, embora elas ocorram comigo com uma frequência muito acima da média.

Na última segunda-feira, dia 15 de abril de 2019, novamente fui surpreendido por duas infelizes e graves coincidências, em quase todos os sentidos.

França

A conhecida mundialmente Catedral de Notre Dame, sediada em Paris (França) quase foi destruída por um incêndio de causas ainda desconhecidas, apesar de se acreditar, por ora, que tenha ocorrido um acidente durante sua reforma interna.

Anos e anos serão necessários para se tentar restaurar essa magnífica obra arquitetônica com mais quase 800 anos de idade.

Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) determina que dois sites de notícias independentes da internet retirem, imediatamente, uma determinada matéria jornalística do ar, sob pena de multa, bem como do veículo ser suspenso até que tudo seja esclarecido. Além disso, os responsáveis por ambos os sites deverão prestar esclarecimentos à Polícia Federal (PF).

No dia seguinte, terça-feira, 16 de abril, é noticiado que, além da censura a ambos os sites, o STF determinou a apreensão de bens e objetos pessoais de várias pessoas que teriam, talvez, criticado o tribunal. Também foi determinada a suspensão de suas contas em todas as redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter, Whatspp...).

Em Paris, o fogo foi real. Em Brasília, o fogo foi metafórico, porém, no Brasil, o incêndio foi muito mais perigoso e está longe de acabar. A cada dia, uma nova fagulha.

Para entender isso, é preciso se compreender o que está ocorrendo na Capital.

Desde o ano passado (2018), o STF, ou melhor dizendo, os ministros que formam a Corte Suprema brasileira, têm sido alvo das mais diversas críticas a respeito das decisões que foram proferidas em casos de repercussão nacional. 

Alguns ministros são alvo mais constante das cíticas e, até mesmo, de algumas ameças, porém, nada foi noticiado a respeito da verdade delas. isto é: se as ameaças eram mesmo reais ou apenas "da boca para fora".

Com o fim das eleições presidenciais, o clima ficou ainda mais tenso e as críticas se tornaram ainda mais frequentes.

Juízes, advogados, promotores, políticos e afins estão utilizando as redes sociais e os veículos de mídia para xingamentos mútuos, às vezes, com palavras de baixo calão, mas sem o uso de palavrões (ainda).

As medidas polêmicas tomadas pelo novo presidente ajudam a deixar os debates mais acalorados.

Ao invés de se discutir as medidas em si, se boas ou ruins, os ataques são pessoais e o que realmente importa tem ficado em segundo plano.

Assim, em março de 2019, o presidente do STF, o Min. Dias Toffoli, determinou, por conta própria, a abertura de um inquérito policial para investigar quaisquer ataques feitos ao STF e aos seus ministros, já que muitos deles seriam feitos de forma anônima na internet.

A investigação seria conduzida, de forma sigilosa, pela Polícia Federal. 

O mundo jurídico "dividiu-se" depois dessa medida inesperada. Apenas a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) concordaram com esse inquérito, enquanto que o próprio Ministério Público e os advogados em geral foram contra. 

Agora, na última segunda-feira, o Min. Alexandre de Morais determinou a censura de dois sites de imprensa, pois teriam veiculado matérias falsas e que manchariam a imagem do presidente da Corte Suprema. Os sites O Antagonista e Crusoé teriam ido além do que é permitido pelo direito de imprensa livre e atacado a imagem dos ministros.

Novamente, outra polêmica. A ideia de censura é quase unânime, pois, em uma país livre, como o Brasil, a imprensa tem o direito de publicar matérias sobre agentes públicos, de forma crítica. Em sua defesa, os editores alegam que se basearam em documentos que comprovam tais notícias.

A notícia da censura serviu para divulgar ainda mais os sites censurados, além das matérias em si.

A Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, pediu que o STF arquivasse esse inquérito.

O partido Rede Sustentabilidade (REDE), presidido por Marina Silva, pediu que o STF voltasse atrás na medida de censura.

O Min. Alexandre de Moraes negou o pedido de arquivamento e prorrogou por mais 90 (noventa) dias o inquérito.

O pedido de suspensão da censura foi distribuído ao Min. Edson Fachin.

Irei esperar a próxima semana para acompanhar os desdobramentos e fazer o exame jurídico de alguns pontos realmente tormentosos deste incêndio jurídico.

Ao mesmo tempo em que tudo isso ocorre, no Senado Federal, foi proposta a CPI da Lava Toga, cujo objetivo é investigar a atuação do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Alguns senadores, incluindo o presidente do Senado, estão receosos de dar andamento a esta CPI, contudo, depois dos últimos episódios, não se pode prever qualquer coisa.

Links:

Entenda o inquérito de Toffoli para apurar ataques ao STF e a crise no Judiciário

Rede pede ao STF para suspender censura aos sites de "Crusoé" e "O Antagonista"

STF censura sites e manda retirar matéria que liga Toffoli à Odebrecht


segunda-feira, 15 de abril de 2019

Diário de um criminalista

O que faz um advocado criminalista?

Eu vou ser muito sincero: o seriado Making a Murderer, da Netflix, que analisa a história de Steven Avery, está mexendo com a minha cabeça.

Existem inúmeros seriados norte-americanos sobre Direito, mas este é apenas um dos poucos que apresenta o sistema norte-americano real, com um caso real, uma história real, com pessoas reais e com decisões reais sobre o que acontece.

Não existem soluções mirabolantes, não existem "mocinhos" e "vilões". Cada um examina os fatos e decidi por si próprio sobre quem está errado, como comentei na postagem anterior Sextou com Ciências Criminais, de 06 de abril de 2019.

Para um advogado criminalista formado e com um pouco de estudo, como eu, o seriado é bastante ilustrativo.

Eu consigo ver os mesmos problemas que existem no Brasil nos Estados Unidos e comparar as diferenças entre os sistemas para poder dizer o que gosto e o que não gosto. O que eu acho mais justo e que queria que fosse copiado aqui ou lá.

Mas por que ele mexe com minha cabeça?

Porque a 2ª temporada é muito diferente da 1ª e, por ser um caso real, nada foi planejado. É a vida real como ela é e se apresenta.

Na 1ª temporada, acompanhados o julgamento de Steven Avery e de seu sobrinho, acusados de estupro e homicídio. Acompanhamos as provas, a investigação, as teses de acusação e como os advogados de defesa trabalharam. Porém, ambos os acusados foram condenados pelos crimes pelos quais foram denunciados.

Depois de ter sido transmitida pela Netflix, os Estados Unidos entraram em choque.

Muitos que assistiram concordam com a condenação, assim como milhões de pessoas acreditam que Steven e seu sobrinho são inocentes e que um erro judiciário foi cometido.

Pessoalmente, não discuto o mérito da história. Prestei atenção em como o Ministério Público norte-americano apresentou as provas para sustentar sua acusação e como os advogados de defesa rebateram essas provas.

Havendo um mínimo de dúvida razoável de que os acusados não cometeram os crimes a eles imputados, deveriam ser absolvidos. No entanto, 24 pessoas acharam que não havia dúvidas e por isso ambos foram condenados.

Fim da 1ª temporada.

A 2ª temporada começa quando Steven consegue contratar uma advogada especialista em revisões criminais. Ela considera o caso dele interessante e está crente de que ele foi condenado injustamente e revisará o caso em busca de provas para sua absolvição.

Hoje, em abril de 2019,  não existe uma decisão final. O processo continua andando.

No caso de seu sobrinho, Brandon Dassey, sua equipe de defesa segue outra linha, pois ele foi julgado em separado de seu tio e a discussão jurídica é bem diferente.

A defesa de Steven quer descobrir provas novas de sua inocência, enquanto que os advogados de Brandon discutem questões técnicas de seu julgamento.

Questões essas que irei abordar outro dia.

Eu já sei como termina a história de Brandon, porém, estou curioso para ver na tela como ela ocorreu na verdade, como juízes, promotores e advogados atuaram realmente.

Então, fiquei pensando comigo mesmo: o que eu teria feito no lugar de algum deles? Dos advogados originais e dos advogados pós-condenação? Como esse caso teria sido tratado no Brasil? O que significa um defesa eficiente em um caso como esse?

Por isso esse seriado mexeu com minha cabeça...

Prossegue semana que vem.

Bye-bye.
Espaço do aluno

Por que decidi me tornar um professor universitário? pt II


Boa noite.

Tendo em vista que o blog ainda está em fase de múltiplos testes, não consegui postar nada na semana passada, porém, isso foi um ótimo aprendizado no que se trata de lidar com esta forma de mídia e plataforma de comunicação digital.

Ser um blogueiro não é tão fácil quanto imaginei, ainda que as postagens tenham um conteúdo mais informal.

Hoje, retomo a pauta de domingo e, logo em seguida, publico o texto de segunda-feira.

Vou prosseguir com minha história dos motivos pelos quais quis se tornar um professor universitário, missão ainda não concretizada. Porém, estamos na luta!

A faculdade de Direito é dividida em 10 (dez) semestres, na grande maioria da instituições de ensino superior. E, em muitas delas, os alunos, para se formarem, precisam apresentar um trabalho de conclusão de curso, o "temido" TCC...

Boa parte dos alunos escrever seu TCC nos semestres 8 e 9, a fim de se preocupar com a formatura, exame da OAB, disciplinas finais de curso etc.

Como eu estava sem uma ideia para meu TCC, deixei tudo para o último ano (semestres 9-10). O TCC é importante demais e a escolha do tema é muito importante.

Noutra postagem, irei trabalhar com essa tormentosa dúvida de todo estudante, seja de graduação oi pós-graduação: como escolher um tema para a monografia. 

Feita a escolha do tema e do orientador, eu entrei de cabeça no trabalho. Eu estava simplesmente adorando a pesquisa e escrever sobre um assunto que estava me fascinando. Eu percebi que gostei da coisa e aquela seria minha carreira: a academia.

Se eu já tinha uma breve noção de ser professor universitário, agora, tudo ficava mais forte.

E eu tinha uma noção do caminho a seguir para atingir esse objetivo.

Graduação --> especialização --> mestrado --> doutorado --> pós-doutorado

Para muitos, a especialização é opcional, assim como o pós doutorado, contudo, creio serem etapas importantes para a formação completa de um aluno em professor.

Depois de formado, eu não iniciei a especialização logo em seguida.

Demorei um ano procurando um tema sobre o qual escrever minha monografia. Como advogado, eu sempre simpatizei com professores que também tivessem forte atuação profissional. É importante misturar teoria e prática.

Escolhido o tema, me matriculei e terminei a pós. Minha pesquisa me abriu outras possibilidades e ideias que não tinha pensado e por isso parei por mais um ano antes de tentar o mestrado, que exigiria um outro nível de amadurecimento profissional e acadêmico.

Ao fim do mestrado, eu certamente era uma outra pessoa. Um outro tipo de acadêmico, assim como advogado. Nos dois anos do mestrado, é preciso se fazer opções que irão decidir que tipo de acadêmico cada um escolhe ser.

A minha dissertação, o trabalho final do mestrado, é um reflexo do aluno, ou seja, como ele analisa os problemas a sua volta e como ele encontra respostas.

Porém, nesse meio tempo, fiz uma segunda especialização, junto com o mestrado.

Uma especialização focada na docência universitária e ela foi, com toda certeza, uma das melhores escolhas que já fiz na vida.

Os conteúdos e as disciplinas que vi abriram meus olhos para horizontes apenas sonhados, mas que não sabia existirem. Muitas das minhas ideias originais foram confirmadas e outras alteradas, contudo, o pilar fundamental estava ali, intacto.

Esse era o caminho que iria seguir. Difícil, duro, todavia, necessário.

Ainda não ingressei no doutorado.

Esta etapa é ainda mais reflexiva que a anterior. O número de fatores envolvidos é muito maior. Não é um escolha que deva ser feita sem pensar. Precisa de calma.

Na semana que vem, irei me aprofundar em cada uma das minhas etapas acadêmicas e como elas se relacionam entre si.

Até logo.

domingo, 7 de abril de 2019

Espaço do Aluno

Por que decidi me tornar uma professor universitário?


Leitores e leitora, boa noite.

Tendo em vista que o blog ainda está em fase de testes, resolvido mudar o dia das postagens relacionadas ao Espaço do Aluno.

O dia livre será sábado, enquanto que domingo será o dia das postagens aos estudantes.

Irei, aqui e agora, retomar um tópico do primeiro texto que escrevi na segunda-feira, quando inaugurei este espaço.

Ele é, na verdade, o motivo de todo este projeto e que pretendo, com o tempo, aprimorar.

Retomando um pouco da minha história pessoal.

Desde os tempos do colégio, sempre fui uma criança com muita capacidade de aprendizagem. A professora não precisava explicar muito para que eu entendesse a matéria e logo ela ficasse gravada na memória. Depois, no dia a dia, eu mesmo começava a criar problemas com o que tinha aprendido, para ver a teoria estava mesmo certa.

Eu gostava de aprender, mas não de estudar. Achava muito chato reler e rever tudo o que já tinha aprendido. Apenas dava aquela refrescada na memória antes das provas.

Embora eu fosse muito bom nas Ciências Exatas, gostava de Humanas, porque tratavam de problemas reais e sem uma resposta certa. E sempre fui apaixonado por História.

1+1 = 2 sempre e em qualquer lugar do mundo. Não vai mudar nunca. Portanto, basta não esquecer e começar pelo básico que se vai longe.

No entanto, o nosso presente é resultado do nosso passado, portanto, era preciso se estudar História para se entender o que acontece hoje e não errar amanhã de novo.

Desde criança, sempre gostei das histórias de herói x bandido. Bem x mal. Certo x errado. Pareciam-me ideias que não admitiam discussão. Preto no branco. 

E por motivos pessoa, aproximei-me da Psicologia e do comportamento humano.

Desse modo, juntando todos esses interesses, o Direito, ou Ciências Jurídicas e Sociais, acabou se tornando a escolha de carreira.

Queria ser um promotor de justiça para pegar os "caras maus" e fazer justiça. Um sonho e ideal nobre, mas que mudou ao longo da faculdade, como já expliquei.

Voltando ao ensino médio.

Ao mesmo tempo que tinha facilidade de aprendizagem, eu tinha facilidade de ensinar e explicar aos meus colegas, com termos mais simples, a matéria.

Não raras vezes, minhas dicas e macetes nos 5min antes das provas foram fundamentais para que o pessoal tirasse a nota que precisava.

Nessa época, percebi que o problema não era a matéria em si, mas a forma de ensino. A linguagem e os métodos dos professores não serviam para todo mundo. Portanto, aqueles alunos com dificuldade não eram "burros", mas sim precisavam de uma atenção especial, outra didática.

Ao longo da graduação, sempre me interessei pelas questões administrativas e estruturais da universidade. Eu já tinha uma ideia de ser professor, mas nada concreto ainda. E durante a faculdade, os problemas que tinha visto na escola se repetiram, com mais força.

O curso de Direito é fácil sim. Ele não tem muitos mistérios. Algumas questões são um pouco mais complexas que as outras, mas nada impossível.

O Direito está no nosso dia a dia, mas não percebemos.

Foi assim que compreendi o quanto o Direito era fácil, mas meus colegas tinham essa dificuldade de associar a teoria com a prática. Um que outro problema não tem uma resposta tão fácil em um primeiro momento, mas, depois de pensar um pouco, podemos chegar a um entendimento.

O X da questão do Direito é a ideologia. Nem sempre concordamos com a Lei, com a norma, com a resposta correta e por isso custamos a acreditar e respeitá-la. Inventamos outras desculpas e teoria para criar uma resposta que nos agrade. E quanto mais polêmica a pergunta, mais custamos a aceitar a resposta que não nos agrada.

E, infelizmente, nas Ciências Criminais, isso é comum.

Ninguém quase discute que bandidos, ou pessoas que cometeram crimes, os "caras maus", devam ser punidos, condenados. Mas como deve ocorrer essa condenação? A todo custo? Deve seguir uma regra, um processo? E quais devem ser essas penas?

Eu próprio tinha algumas ideias e opiniões que, com o passar dos semestres, do estudo, de leituras e reflexões, foram mudando.

Deixar de lado a carreira no Ministério Público para me tornar um advogado foi um desses fatos. Eu não conhecia todos os dados para ter uma opinião definitiva.

De igual forma, eu também prestava aquele socorro emergencial nos momentos difíceis. Apesar de todos sermos adultos, a matéria se tornava mais difícil para alguns.

Por isso, somando vários desses episódios, decidi me tornar um professor universitário.

Na época do ensino médio, queria ser professor de História. Fiz Direito.

Eu percebi que tinha vocação e dom para ensinar não podia jogar fora.

Também notei que gostava de ajudar, de ser útil, prestativo. Fazia-me me sentir bem.

O curso de Direito é importante demais para que profissionais ruins e despreparados se formem todo dia. E no caso da advocacia criminal, é importante que os advogados sejam ainda melhores por causa do preço do que está envolvido: a LIBERDADE.

Meu estágio me provou o baixo nivelamento da advocacia gaúcha e o preço que os acusados pagam no final por uma defesa ruim.

Logo, eu deveria assumir minha responsabilidade social e querer mudar esse cenário.

Eu não podia ser o melhor advogado de todos e querer resolver todos os casos, porém, poderia ajudar formando e ajudando outros colegas e estudantes a saírem mais preparados da graduação e poderem atuar, oferecendo uma resistência digna à acusação. Uma boa defesa capaz de contrapor o Ministério Público.

Repito: o Direito não é um bicho de sete cabeças, algo impossível, muito difícil de compreender. Um conhecimento que apenas os mais estudados podem saber.

Todo mundo, qualquer pessoa sabe um pouco de normas, de leis, de certo e errado, pelo convívio no dia a dia com outras pessoas.

Existe uma lógica mínima, porém, na área das Ciências Criminais, as opiniões pessoais sobre crime, pena e punição são muito diferentes de pessoa para pessoa.

O jurista criminal compreende isso tudo e deveria tentar, sem parecer ser o dono da verdade, dialogar com as pessoas que tenham uma opinião diversa e mostrar os porquês da Lei garantir esses direitos e negar outros. Explicar todo o sistema de justiça criminal.

É um dever de cidadania de toda pessoa conhecer o sistema judiciário de seu país.

Saber o que faz um advogado, um juiz, um promotor, um policial.

Saber onde e para quê serve o fórum.

Saber seus direitos e deveres.

Saber quando o Estado pode te prender e quando não pode para poder se defender de processos injustos e de má conduta policial.

Pessoas "de bem" também podem ser alvo de erros judiciários, como visto nos programas que eu recomendei ontem.

infelizmente, o brasileiro, em geral, não conhece seus direitos e não sabe a quem recorrer quando eles são violados. E a situação é ainda pior na esfera criminal, onde as pessoas mais simples e pobre sofrem com condenações injustas por falta de orientação.

Ser um advogado criminalista é parte desse projeto pessoal de ajudar e difundir conhecimento, mas, ser um professor universitário é a forma que encontrei de ser mais eficaz. Quanto mais e melhores a advogados na rua, melhor.

Na próxima semana, prosseguirei com a trajetória à docência universitária.

Boa semana a todos.

sábado, 6 de abril de 2019

Sextou com Ciências Criminais

Sexta-feira, 05 de abril de 2019.

O texto deveria ter sido postado na sexta, mas devido a problemas de logística, ficou para sábado, porém, será creditado como se fosse de ontem.

Conforme prometido, nas sextas-feiras, pretendo fazer uma críticas de programas, filmes, livros etc que tratem de casos criminais e similares.

Eu estava na dúvida de por qual deles começar. Existem vários programas norte-americanos que precisam ser explicados, pois o sistema de justiça criminal dos Estados Unidos é muito diferente do Brasil.

No entanto, vou começar pelo programa que estou assistindo atualmente e que possui muitas semelhanças com outros dois casos que vi/li.

O programa de hoje é Making a Murderer, um documentário de 2016, da Netflix.

Em rápidas linhas, ele trata da história real de Steven Avery, um homem que foi condenado injustamente e que passou 18 anos preso. Após ter sido libertado quando descobertas provas de sua inocência, ele foi novamente acusado, processado e condenado por homicídio. 

No 1º processo, ele acusa os policiais de terem-no incriminado de propósito e não terem investigado direito o crime, pois tinha era conhecido na cidade e tinha pequenos problemas com algumas autoridades locais. Depois de solto, ele processou o estado em busca de uma forte indenização pelos anos que passou preso. Um acordo judicial resultou no pagamento de uma quantia utilizada para pagar seus advogados no novo processo, pois ele sabia que, se fosse depender apenas da Defensoria Pública, suas chances seriam bem menores.

Por se tratar de um caso de homicídio, a defesa precisa ser a melhor possível, capaz de enfrentar, "pau a pau" a acusação. Infelizmente, a defensoria pública, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, não possui condições humanas e materiais de garantir um defesa justa e suficiente nesses grandes casos. Esse é um dos sérios problemas do sistema criminal, no qual pessoas pobres sempre sofrem algum prejuízo.

Semanas depois, seu sobrinho "confessou" o crime e ambos foram processados.

O júri de Steven Avery foi amplamente acompanhado pela mídia, sendo mostrado ao vivo, assim como foi o Caso Bernardo, com transmissão pela internet.

Ao final, Steven foi condenado.

Hoje, seus advogados prosseguem recorrendo, a fim de demonstrar a falta de provas e os erros da investigação, pois os mesmos policiais que cuidaram do caso de estupro, e onde foi absolvido, foram os responsáveis pela investigação do homicídio. E esses policiais estavam sendo processados por má conduta.

O Caso Steven Avery é semelhante ao Caso O.J. Simpson e ao Caso Ron Williamson.

O.J. Simpson

A história de O.J. Simpson foi retratada na série O povo v. O.J. Simpsons: American Crime History, disponível na Netflix. E praticamente todo o julgamento encontra-se disponível no YouTube, com mais de 500h, já que foi transmitido ao vivo pela TV. O.J. era um ex-atleta e ator muito famoso, acusado de matar sua ex-mulher e outro homem. Ao final de um tumultuado processo, foi absolvido pelo júri. Aqui, as provas são frágeis, além de envolver um polêmico debate sobre racismo e má conduta policial. O.J. era é negro.

Ron Williamson
Tive contato com esse caso muitos anos atrás, enquanto ainda estava na faculdade, quando li o livro de John Grisham, um famoso advogado-escritor norte-americano, chamado O inocente: assassinato e injustiça em uma cidade pequena. Hoje, está na 2ª edição, com o nome O homem inocente..., lançado na carona do seriado da Netflix.

Trata da história de Ron Williamson e outro homem acusados de estuprar e matar uma moça em uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos. Ron foi absolvido anos depois, quando o DNA comprovou que outro homem foi o responsável. A polícia conhecia esse outro suspeito, mas nunca foi atrás dele, pois Ron também tinha problemas com as autoridades locais, assim como Steven Avery. Aliás, ambos os casos são muito semelhantes. Williamson processou a cidade e ganhou, infelizmente, morreu meses depois. A história de Ron Williamson também virou um documentário disponível na Netflix, intitulado Inocente: uma história real de crime e injustiça.

Por que eu recomendo esses programas?

Porque eles tratam de histórias reais, de crime graves, e que tiveram cobertura da mídia e que implicaram a absolvição de pessoas que foram injustamente processadas. E não se trata de erro na investigação, mas sim perseguição policial em alguns casos.

Os "caras bons" também erram, porém, o que fazer quando um cidadão é vítima de perseguição policial? O crime não é bem investigado, as provas somem, o juiz e os jurados são manipulados etc...

Um erro judicial somente resulta em indenização quando o injustiçado consegue comprovar que foi vítima dessa perseguição ou que foi condenado sem provas e de propósito. Este tema é complexo demais e pretendo voltar nele mais à frente.

Para advogado, juízes e promotores, todos os erros de procedimento e os ritos processuais, ainda que de outro país, são fáceis de entender. Não nos surpreende a gravidade dos casos, embora eu tenha ficado pensativo sobre a história de Avery. Existe algo de muito errado em sua condenação, mas nenhuma autoridade quer "matar no peito" e assumir sua responsabilidade.

Por isso, esses programas são ideias para quem não é da área jurídica.

Ver processos reais, envolvendo pessoas de verdade, sendo elas acusadas, policiais, juízes, advogados e promotores e como cada um reage ao crime nos faz pensar.
Será que o protagonista é mesmo culpado? Que provas existem contra ele? Se eu fosse juiz eu condenaria? E se eu fosse o acusado? Os "caras bons" estão sempre certos e os "caras maus" sempre errados? A justiça criminal é feia ou bonita?  Podemos chamar o sistema de "justiça"? A culpa da impunidade é apenas da justiça e dos juízes ou existem outros culpados? Sã inúmeras perguntas a serem feitas para reflexão...
Não pretendo, aqui, defender os acusados, mas sim fazer com que as pessoas pensem, reflitam. Cada um vai ter sua própria conclusão sobre o que viu.

Infelizmente, no Brasil, não é comum programas policiais ou acompanhamento real de casos para escrutínio da opinião pública. O Caso Bernardo é um exceção da exceção, assim como foi o julgamento do Mensalão.

Semana que vem eu retorno com comentários mais profundos sobre esses casos específicos.

Se forem assistir a esses programas, a pipoca é obrigatória. Muita pipoca, porque, depois que começa, é difícil não maratonar e assistir até o fim.

Links dos programas citados:

Existe fórmula mágica para administrar a criminalidade?

Quinta-feira, 04 de abril de 2019.


Antes de adentra no texto de hoje, preciso avisar que meu humor não está dos melhores.


Hoje foi mais um dia muito abafado aqui em Porto Alegre e, quando chego em casa, meu time perde, mais uma vez, na Copa Libertadores da América. A chance de ser desclassificado ainda na fase de grupos é grande e não sei quem culpar.

Existem culpados? Ou se trata apenas de uma fase?

Onde foi parar o meu tricolor, o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense?

Se no futebol, quando os resultados ruins começam a se acumular, a diretoria dos clubes geralmente escolhe um culpado e o elimina, esperando que as vitórias retornem, o que nem sempre ocorre. Por quê?


Porque não foi encontrada a causa real do problema e foi tratado apenas um sintoma. Ao invés de saber porque o órgão está doente, simplesmente se tira ele fora.

Porém, nem sempre isso é possível.

E na área da criminalidade, o problema é o mesmo. Igual.


Não existe um único motivo que explique o crime, o criminoso e suas consequências. Não existe um remédio universal que resolva o problema da criminalidade. Crimes sempre existiram e continuaram existindo, mudando apenas a forma e como ele é visto pela sociedade, com mais ou menos rigor.

Aqui, vou usar a palavra "crime" como sinônimo de qualquer coisa errada que se faça no dia a dia, da menor infração à mais grave.

Todo mundo já fez algo errado na vida, quando criança, e continua fazendo quando adultos.

Quando crianças, somos punidos pelos pais e pelas professoras da escola. Recebemos um castigo e as autoridade esperam que não façamos de novo, senão, o castigo será pior.

Quando adultos, a lógica é a mesma. Os crimes dos adultos são diferentes, mas são condutas proibidas pelas sociedade e pelo Estado. No entanto, cada crime tem uma pena diferente e a pessoa condenada deve cumprir apenas aquela que foi previamente determinada, nem mais nem menos. O Estado é o responsável por isso, como escrevi no texto de terça-feira sobre a progressão de regime.

Mas, a criminalidade é um problema prático e exige soluções práticas dos novos governantes. Nenhuma vai resolver o problema, mas cada uma delas representa um ponto de vista e a visão do representante. E conhecer essa visão para poder criticá-la é um exemplo do exercício da cidadania, um dos motivos da existência deste blog.

Abaixo, 2 (duas) formas de tratar da criminalidade.

João Dória, governador do Estado de São Paulo
"Bandido bom e bandido morto"

Hoje, foi amplamente divulgado na mídia que uma quadrilha, com muitos membros, especializada no roubo a bancos, com uso de armamento pesado e bombas, entrou em conflito com a polícia militar de São Paulo, tendo morrido 11 (onze) de seus integrantes, após terem feito uma família de reféns. Nenhum inocente saiu ferido. Outros foram presos no desdobramento das operações.

"Bandido bom é bandido morto"... Uma frase de efeito, porém, quem as diz esquece que bandido é qualquer pessoa que comete um crime, não importa qual seja. Pode ser homicídio, roubo/furto, tráfico, sequestro, extorsão, estupro, estelionato, corrupção (ativa ou passiva), calúnia, difamação, injúria, fraude, falsa comunicação de crime... A lista de crimes no Brasil é extensa, logo, qualquer um pode cometer um delito, sem saber. O desconhecimento da lei não é desculpa para não ser punido.

Felizmente, nenhum inocente saiu ferido neste caso, porém, o histórico no país é alto. Nossas polícias não são treinadas para esse tipo de situação. Nossos policiais são treinados para atirar primeiro e perguntar depois, mas sequer sabem atirar direito, o que causa tiroteios onde, quase sempre, um cidadão inocente morre ou é ferido. Não é preciso dizer quem, na maioria da vezes, dispara a bala perdida que atinge o inocente. Esse culpado nunca é responsabilizado, pois se trata de uma "baixa" de guerra na guerra contra o crime, um sacrifício em prol da coletividade. Além disso, foi sem querer, essa morte não foi de propósito, portanto, não existe culpa do atirador.

Então, pergunto: Você, cidadão, gostaria de ser tratado apenas como "mais um" nessa suposta guerra contra o crime? Mais uma vítima, mais uma baixa, mais um número, mais uma estatística sem importância alguma?

Enquanto essa for a política, somos nada para o Estado e seus soldados...

Cesar Faccioli, procurador de justiça e secretário da administração prisional do Rio Grande do Sul

"Vamos (tentar) respeitar a lei. E dialogar".

Como a questão penitenciária é sempre complexa, vou ser breve a respeito desta política. A entrevista do secretário é inspiradora, promete muito, mas, infelizmente, sabemos que de boas intenções o governo está cheio delas, mas teoria e prática são coisas diferentes.

Irei me ater ao que gostei de ler.

O secretário é um promotor de justiça, um membro do Ministério Público (MP) que denunciava os criminosos e esperava pela sua condenação, bem como lhe incumbia "ficar de olho" no cumprimento dessas penas, já que o MP é o "fiscal da lei". Sua missão é fazer com a Lei seja cumprida, seja para condenar, seja para garantir os direitos dos presos.

Dentre esses direitos, o de ser tratado com dignidade, ter sua integridade física respeitada, "ser ressocializado" e não se tornar mais um soldado das facções etc. Outro dia, pretendo tratar dos objetivos da Lei de Execuções Penais (LEP) e o quanto o seu (des)cumprimento é um dos motivos do caos da segurança pública no Brasil todo.

Estamos diante de 2 (duas) formas de lidar com a criminalidade: de um lado,  o governador de São Paulo, responsável pelo maior e mais rico estado do país, e que apresenta a maior população carcerária do Brasil, planeja eliminar o bandido (e o crime); do outro, um modelo que propõe reduzir os danos e, pouco a pouco, enfrentando uma das pontas e lidando com as consequências da prisão, pois sabe que violência gera mais violência.

Destaque: São Paulo e o Rio Grande do Sul são governados pelo mesmo partido: o Partido  da Social Democracia Brasileira (PSDB). Os "tucanos" não possuem a mesma política criminal, o que é outro grave problema de nosso país.


Espero que o novo secretário gaúcho tenha sucesso em implementar suas ideias, apesar do pouco tempo, pois 4 (quatro) anos de governo é insuficiente para tentar resolver problemas profundos que existem há décadas. O primeiro passo precisa ser dado.

Repito: não existe fórmula mágica para tratar do crime e da criminalidade, contudo, existem sim políticas e ideias que, sem dúvida, sempre pioram o problema.

O sistema carcerário é um deles: ele é uma causa e uma consequência das políticas criminais e é preciso se refletir sobre ele para que possamos avançar no debate.

Links dos fatos de hoje:

João Dória
https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2019/04/04/tentativa-de-roubo-a-banco-termina-com-tiroteio-em-guararema-sp.ghtml

Cesar Faccioli
https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2019/04/04/cesar-faccioli-assume-secretaria-e-fala-sobre-a-geracao-de-vagas-no-sistema-prisional-do-rs.ghtml

quarta-feira, 3 de abril de 2019

O tribunal do júri "nas cordas"

Quarta-feira, 03 de abril de 2019.

Ontem, dia 02 de abril, na Comarca de Osório/RS, estava prevista para ocorrer o julgamento de um PM acusado de matar um jovem atleta de 17 anos, em 2011.

O rito, o procedimento, para o julgamento deste tipo de crime (homicídio) é o tribunal do júri, no qual 7  (sete) pessoas, escolhidas dentre membro da própria comunidade local, irão decidir se o fato ocorreu, se o acusado é o responsável pela morte e se deve ser considerado culpado e condenado.

Ou seja, o jurado, mesmo reconhecendo a culpa do acusado, pode absolvê-lo, independentemente do motivo, pois o jurado não precisa explicar seus motivos. E ninguém saberá como o jurado decidiu, pois seu veredicto é secreto.

Isso se chama julgar pela íntima convicção. E a escolha entre culpa e absolvição se dá por meio de uma votação secreta, no qual o juiz colhe sua decisão em uma urna.

O júri, diferente dos Estados Unidos, como sempre vemos na TV, não julga por unanimidade. Não é preciso que os 7 (sete) jurados votem igual. Basta haver a maioria, ou seja, 4 (quatro) votos para que o veredicto seja proferido.

O juiz apenas aplica a pena em caso de condenação, mas é o Conselho de Sentença quem decide; é ele quem detém o verdadeiro poder de julgar, incluindo, como disse, absolver o culpado ou condenar um inocente (mas essa última parte será discuta noutro dia).

Se a decisão foi certa ou errada, não cabe recorrer. Seu veredicto é soberano. Porém, aqui também existem exceções...

Um juiz, no entanto, é obrigado a condenar quando houver provas da culpa do acusado e justificar os motivos de sua sentença, especificando quais provas serviram para condenar ou absolver a pessoa acusada.

A sentença do juiz pode ser revisada em grau de recurso, podendo ser reformada ou mantida por um grupo de 3 (três) desembargadores.

Logo, no Tribunal do Júri, o cidadão comum possui mais poder que um Juiz de Direito, não podendo ser responsabilizado pelo acerto ou erro de seu julgamento, ao contrário do juiz.

E por que eu fiz esse breve resumo do Tribunal do Júri?

Simples. Porque é preciso que as pessoas compreendam o que realmente ocorreu no julgamento que começou (e não terminou) na cidade de Osório, antes de comentarem a favor ou contra as partes envolvidas, já que as notícias sempre vem pela metade...

Em determinado momento do julgamento, os advogados de defesa do acusado, sentindo-se ameaçados, intimados por familiares da vítima e outras pessoas que assistiam ao júri, avisaram a juíza que não tinham condições de prosseguir na defesa e pediram o adiamento do julgamento. A juíza não aceitou o argumento e prosseguiu com o júri. Os advogados, então, decidiram abandonar o plenário, apesar das advertências da juíza, o que causou a dissolvição do rito. Ou seja, o júri foi cancelado e terá que recomeçar do zero.

O acusado, que estava solto, foi preso, porque estaria tumultuando os trabalhos do júri, e os advogados foram multados por causa do abandono do processo.

As manifestações de pessoas da cidade e arredores foram diversas, muitas delas criticando a decisão dos advogados de defesa, bem como o próprio rito do júri, que permite tais manobras, evitando que a justiça fosse feita.

Em primeiro lugar, não estive presente nessa sessão do júri. As informações acima são fatos públicos, divulgados pela imprensa e por pessoas que testemunharam os fatos.

Em segundo lugar, é preciso se destacar quem eram os advogados do acusado. Trata-se dos profissionais Rodrigo Vares e Ezequiel Vetoretti, bem como o colega Alexandre Ourique. Rodrigo e Ezequiel foram os defensores de Leandro Boldrini, no notório Caso Bernardo, um julgamento com muito mais repercussão, tensão emocional e questões mal resolvidas que o caso de Osório. Portanto, cabe a cada um a opinião pessoal sobre os motivos que levaram esses profissionais a abandonar o julgamento, se as ameaças que eles relatam eram reais ou apenas "estratégia da defesa".

Eu digo isso porque, como mencionado acima, não são os advogados que vão absolver, ou será o promotor de justiça que irá condenar, o acusado.

Cada um fará seu papel de acusar (Ministério Público) e defender (advogados), cabendo aos sete jurados se convencer quem tem razão e proferir seu veredicto.

O resultado de um processo criminal nunca é culpa das partes, mas sempre do juiz, ou dos jurados. 

O promotor pode acusar inocentes; advogados podem defender mal, mas é o juiz que deverá analisar as provas e decidir quem tem razão ou não. No caso do júri, os jurados.

No Tribunal do Júri, por se tratar de um rito diferente, onde as penas são elevadas (entre 12-30), em média, e por envolverem uma série de fatores, além de que os juízes são pessoas do povo, que não possuem a técnica, não conhecem as Leis, é direito do acusado a plena defesa, podendo se defender da melhor maneira que puder, pois, como escrito antes, o jurado não precisa explicar os motivos da absolvição ou condenação, diferente do juiz, além de que, da decisão do jurado, não cabe recurso.

O acusado se defende por meio de seu advogado e esse dispõe de apenas "uma bala", uma única oportunidade para convencer o Conselho de Sentença que a pessoa sentada no banco dos réus deve ser absolvida, apesar do que fez ou dizem que tenham feito.

O advogado não concorda ou discorda dos fatos da denúncia. Seu papel é combater a acusação e fazer com que a lei seja cumprida porque, como disse antes, os "caras bons" também erram e nem tudo é o que parece em um processo criminal de verdade.

Se o acusado for culpado, que cumpra exatamente a pena que a lei prevê, sem mais nem menos. É obrigação do Estado, e dos juízes, respeitar esses direitos.

O acusado somente pode ser considerado culpado depois de um devido processo que respeite todas as suas garantias, ou, entre outras palavras, que respeite as regras do jogo.  Ninguém pode ganhar roubando e nem o juiz pode roubar para qualquer um dos lados. O trabalho do juiz é apitar o jogo e deixar os jogadores jogarem. Que o melhor vença.

Por isso, nunca se pode defender que um advogado, não importa a natureza do crime imputado a seus clientes, seja ameaçado/intimidado no exercício de sua profissão.

Não é o advogado quem decide, então, que culpa ele tem no resultado?

De igual forma, que culpa possui o acusado para ser preso por algo que não fez? Seus defensores é que foram intimidados e ele é apenas uma pessoa que terá a vida decidida por quem não conhece e sem saber os motivos.

O fato ocorreu há mais de 8 (oito) anos e, claramente, a comunidade local de Osório quer justiça. Mas o que é justiça? A condenação de um inocente ou qualquer condenação?

Por isso, a reflexão sobre o tribunal do júri.

Os familiares e outros que ameaçaram os advogados deveriam parar e pensar: seus atos retardaram a justiça que tanto procuram, além de atrapalhar todo o julgamento, pois, agora, como os próximos jurados, seus vizinhos, amigos e conhecidos da cidade, poderão analisar com calma e imparcialidade o caso?

Sabendo que conhecidos da vítima são capazes de intimidar os advogados, que garantia os jurados têm que poderão absolver o acusado, se ficar comprovado que não teve culpa alguma na morte da vítima?

Eu tenho certeza que os advogados de defesa não "jogaram a toalha". Irei ficar à espera de maiores esclarecimentos sobre o que realmente ocorreu e que medidas sejam tomadas.

Júri é técnica, não emoção. Júri é estratégia, não coragem. Júri é habilidade, não improviso.

Todos nós vimos que os advogados possuem tais aptidões quando enfrentaram, durante uma semana, a dura batalha no Caso Bernardo, na Comarca de Três Passos.

Por isso, encerro a postagem de hoje em solidariedade aos colegas

Rodrigo Grecelle Vares
Ezequiel Vetoretti
Alexandre de Jesus Ourique

A advocacia criminal não pode ser culpada pelo exercício de seu mister fundamental.

Nunca.

Abaixo, links das notícias:
https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/pol%C3%ADcia/j%C3%BAri-de-assassinato-de-boxeador-%C3%A9-dissolvido-ap%C3%B3s-abandono-da-defesa-em-os%C3%B3rio-1.330513

http://www.tjrs.jus.br/site/imprensa/noticias/?idNoticia=462075

terça-feira, 2 de abril de 2019

Dia de... desabafo

Terça-feira, 02 de abril de 2019.

Prosseguindo com a ideia do blog, e orientando-se pelo cronograma, a pauta de hoje é Direito Penal.


Eu pretendia abordar alguma questão mais polêmica e/ou controversa que tenha sido matéria na imprensa, porém, um acontecimento de hoje me fez alterar um pouco os planos.

Fatos envolvendo execução penal estão programados para as quintas-feiras, no entanto, boa parte das normas que regulam a execução penal está no Código de Penal. O restante das regras encontram-se na Lei de Execuções Penais (LEP).


Portanto, Execução Penal é um tema relacionado a Direito Penal.

O Código Penal (CP) é uma lei editada láááá em 1941, logo, tem quase 80 anos de vida.

O CP é quem determina quando uma conduta é crime e quais são as suas penas, assim como as regras gerais para seu cumprimento.

Em linhas gerais, as penas são divididas em: penas privativas de liberdade (PPL) e penas restritivas de direitos (PRD), além das penas de multa.

As PPLs podem ser de detenção ou reclusão. E é sobre essas que falarei brevemente.

Quanto alguém é condenado a uma pena de 0-4 anos, o regime de cumprimento inicialmente será o aberto.

Quando alguém é condenado a uma pena de 4 anos e 1 dia a 8 anos, o regime de cumprimento será 
inicialmente o semiaberto.

Quando alguém é condenado a uma pena acima de 8 anos, o regime de pena será 
inicialmente o fechado.

Ou seja, ninguém fica todo o tempo de condenação no regime fechado, por exemplo.

Nosso sistema acredita no sistema de ressocialização e reintegração do preso, motivo pelo qual existe a progressão de regime, quando o preso é transferido para um regime menos gravoso quando preenche alguns requisitos legais. 

Cada delito possui regras próprias de progressão.

Não irei tratar aqui e agora sobre os prós e contras do sistema progressivo, porém, uma questão que ainda é pouco enfrentada diz respeito à culpa do Estado pela falência desse sistema progressivo. Irei explicar.

O regime fechado será cumprido em cadeias e penitenciárias. Basta construir um prédio com celas e grades e "jogar" o condenado lá dentro.

O regime semiaberto será cumprido em colônia agrícola ou industrial ou similar, buscando ressocializar o apenado.

O regime aberto será cumprido em casa de albergado ou similar.

O advogado criminalista não discute se o mérito da pena, da condenação. Ele tem consciência que a pessoa condenada deve cumprir sua pena, porém, ele defende que o preso tem o direito de cumprir a pena nos termos da lei. O preso também tem essa noção. Ele sabe que errou e que "vai pagar" pelo que fez, mas não quer "pagar" a mais do que deve. E aqui começam os problemas da execução penal.

Por culpa do Estado, não existem lugares para se cumprir as penas nos regimes semiaberto e aberto. Cadeias e penitenciárias foram construídas, mas não as demais casas, de acordo com os demais regimes.

Durante muito tempo, presos que tiveram sua progressão de regime aprovadas pelos juízes das varas de execução criminal, eram mantidos em lugares mais severos do que tinham direito, especialmente no fechado, causando, obviamente, a superlotação carcerária e ocupando as vagas de outros presos que lá deveriam estar.

Depois de um luta incessante, o Supremo Tribunal Federal decidiu que era proibido, inconstitucional, que uma pessoa fosse mantida em regime mais grave do que tinha direito. Ela deveria cumprir sua pena em local parecido ou em regime menos severo.

Esse é o conteúdo da súmula vinculante nº 56.

O que ele quis dizer.

Que nenhuma pessoa, independentemente do crime que cometeu e da quantidade de pena a cumprir, podia ter seus direitos desrespeitados pelo próprio Estado. Se o Estado quer puni-la, que siga as regras.

Nós, cidadãos, pagamos nossas contas, nossos impostos, taxas e cumprimos nossas obrigações, mas o Estado não faz a parte dele.

Temos estradas ruins, escolas ruins, saúde pública ruim, falta de policiais e outros servidores públicos etc. O Estado não cumpre sua parte.

E quando o Estado não cumpre a sua parte é a população quem sofre as consequências.

Problemas nas cadeias se refletem nas ruas e na segurança pública e isso será tratado noutra oportunidade.

Em Porto Alegre/RS, os juízes das varas de execução criminal há muito tempo perceberam isso e, cumprindo a lei, decidiram que, faltando vagas, os presos seriam libertados e esperariam na rua até que vagas fossem abertas, bem como iriam usar tornozeleiras eletrônicas e estariam proibidos de sair de casa.

Muitos presos descumprem essas regras e vão sofrer as consequências, porém, a grande maioria segue as ordens, porque não querem voltar ao "sistema" e sabem que tem o direito de cumprir o restante de sua pena fora da cadeia.

Contudo, hoje me deparei com uma situação que me deixa realmente pensativo.

Em uma cidade da região metropolitana de Porto Alegre, o juiz da vara de execuções criminais simplesmente não obedece à súmula vinculante nº 56.

Súmulas vinculantes são regras que devem ser obedecidas obrigatoriamente. Os juízes e nenhum outro servidor pode "dizer não".

Então, o que ocorre?

Qualquer condenado que inicie o cumprimento de sua pena no regime fechado ou tenha direito à progressão, é mantido no regime fechado, até surgir uma vaga, porém, a lista de espera é tão grande quanto a lista do SUS por um exame.

Praticamente não existem vagas nos regimes aberto e semiaberto no Rio Grande do Sul em número suficiente à lista de espera.

Assim, uma pessoa que errou, todos sabemos, é punida além do necessário, já que o Estado não cumpriu suas obrigações e o Judiciário, igualmente, não cumpre a sua parte de respeitar a Lei que jurou proteger.

A postura desse juiz é igual a de tantos outros Brasil afora. É normal sim que juízes descumpram as leis. Isso acontece todo dia, toda hora. E eles não têm qualquer punição.

Uma pessoa descumpre a lei é punida, presa, multada etc...

Esse lado obscuro da justiça criminal é conhecido por poucos. E menos ainda divulgado na grande mídia, pois ela não sabe o que fazer com esse tipo de informação.

A criminalidade não vai baixar, diminuir porque algumas pessoas foram mantidas presas além do tempo necessário.

Qualquer profissional do Direito sabe, especialmente os juízes.

Por isso, a pergunta, e que também serve de desabafo:

O que eu ganho descumprindo a lei, prejudicando uma pessoa que desconheço?

Aqui, por exemplo, já posso começar a separar os "caras bons" dos "caras maus".

Essa divisão ainda existe, preto no branco?

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Diário de um criminalista

Segunda-feira, 01 de abril de 2019.

Leitores e leitoras, boa noite.

Esta é a postagem de inauguração do meu blog pessoal "Cidadania & Ciências Criminais", por isso, irei, aqui, contar a história deste perfil e seus objetivos.

Este blog é um antigo projeto meu e que imaginei desde que saí da faculdade e me tornei um advogado, há cerca de 07 anos, no começo de 2012. 

Ele também representa um retorno as minhas raízes e objetivos mais longos de carreira que, por motivos profissionais e pessoais, não pude levá-lo adiante.

Até agora.

Mas, antes de tudo, irei contar, brevemente, minha história. Somos o resultado de nossas escolhas.E este blog é uma dessas consequências.

Decidir estudar Ciências Jurídicas e Sociais, ou Direito, porque queria ser como meus heróis de infância. O "cara bom" que prende os "caras maus", neste caso, ao invés de ser um advogado ou juiz, queria ser um promotor de justiça. E, por consequência, foquei-me no estudo do Direito Penal. 

Eu não podia entender como os "caras maus" podiam ficar impunes por erros jurídicos básicos cometidos pelos "caras bons" e que eram explorados por seus advogados de defesa. Eu seria o promotor que iria fazer frente a esses advogados, reequilibrando a balança da "justiça". E muitos dos meus professores eram esses advogados dos "caras maus", com sucessos espantosos.

No entanto, mudei radicalmente minha ideia de justiça quando, finalmente, estagiei no Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul.

Por que decidi me tornar um advogado criminalista?
Embora eu ainda possua uma veia punitivista, eu tenho bom senso e ficava impressionado com as posturas e erros adotados por ambos os lados nesta luta. Os "caras bons" também erravam (e muito), muitas vezes buscando condenações por fatos insignificantes, enquanto que os cidadãos acusados desses crimes eram mal defendidos por advogados particulares, muitos desses, experientes, mas que, ao exercer sua profissão, causavam tanto ou mais dano a seus clientes que os "caras bons".

Decidi, então, me tornar advogado. Apesar de errados, os "caras maus" tinham direito a uma defesa justa e capaz de enfrentar os "caras bons" em igualdade de condições.

Ao mesmo tempo, eu percebi qual era minha verdadeira vocação: ensinar. 

Por que decidir me tornar um professor universitário?

Eu queria ser um advogado professor universitário.  

Eu não me considerava o melhor aluno, no entanto, sempre tive facilidade em aprender e auxiliar meus colegas com suas dificuldades de sala de aula. Isso me animava e era algo no qual eu era bom.

Desse modo, ao invés de me esconder eu meu escritório, eu poderia compartilhar o meu conhecimento e ajudar na formação de novos e bons advogados capazes de enfrentar os "caras bons" e oferecer uma defesa justa aos "caras maus". A prática havia me ensinado e me mostrado que as regras do jogo existem e são dominadas e aplicadas pelos melhores jogadores, como em qualquer esporte. 

A jornada neste caminho será tema de outra postagem futura.

Por que escrever um blog?

Nestes sete anos depois de formado, passei por muitas experiências e a maioria delas confirma a necessidade deste blog.

Depois de algumas parcerias e sociedades que não deram certo, como sempre acontece nos negócios, hoje, estou em voo solo e assim pude voltar a me dedicar a projetos antigos.

2012 foi marcado pelo acompanhamento da imprensa dos grande casos criminais, começando pelo julgamento do "Caso Mensalão", ou Ação Penal nº 470, pelo Supremo Tribunal Federal e que foi exibido ao vivo pelo site do Tribunal.

Desde então, quase que diariamente, um grande escândalo ou caso penal é visto nos jornais e na televisão, tomando conta das conversas entre amigos, familiares, escola, trabalho, roda de bar etc. 

Caso Mensalão, Caso Petrolão, Caso Lula, Caso Kiss, Caso Bernardo, Caso Bruno, Caso Elize Matsunaga, Caso Suzane von Richthofen e tantos outros...
No entanto, o nível do debate se resume a repetir o que a grande mídia diz a respeito desses processos, mas sem cuidar dos detalhes, muitas vezes, repassando informações erradas, imprecisar ou equivocadas aos leitores e telespectadores.

Não posso afirmar se é de propósito ou não, contudo, tenho certeza que muitos dos dados veiculados são tecnicamente imprecisos.

O Direito é uma ciência, como a Medicina, a Engenharia, a Matemática,a Química e tantas outras. Ele possui termos e conceitos que precisam ser respeitados e que, infelizmente, a grande mídia não os domina, causando graves transtornos a todos, principalmente em seu público-alvo.

Uma notícia errada pode causar um mal tremendo numa grande população.

Quais são os objetivos deste blog?

Desse modo, era o momento de retomar este antigo projeto e que se mostra importante hoje, na era da informação e das fake news.

Eu não pretendo escrever textos jurídicos ou de caráter científico. Não.

Pretendo, uma vez por dia, comentar questões e fatos do dia a dia e que se relacionem com as Ciências Criminais, de modo que o público leigo, isto é, que não seja formado em Direito, possa entender o que realmente está ocorrendo.

Minha experiência me mostrou que a população, em geral, não conhece seus direitos e deveres e, por falta de informação, é manipulada pela grande mídia.

Ao longo dos dias e das demais postagens, essa ideia irá ficar mais clara, quando algumas notícias veiculadas em sites da imprensa forem explicadas.

Além disso, este blog também terá um caráter informativo e de entretenimento.

Vejamos a agenda das postagens (e que espero poder cumprir):

Domingo: dia livre. Quase qualquer tema pode ser postado aqui.

Segunda-feira: Diário de um criminalista. Espaço no qual contarei um pouco de minha história e situações pelas quais tenha passado ao longo da semana.

Terça-feira: Dia do... Direito Penal.

Quarta-feira: Dia do... Processo Penal.

Quinta-feira: Dia da... Criminologia e Execução Penal.

Sexta-feira: Sextou! Aqui, pretendo fazer críticas de programas, livros, seriados, filmes e afins que envolvam Direito. A realidade é beeem diferente da fantasia.

Sábado: Espaço do Aluno. A educação jurídica sempre foi e sempre será um dos meus objetivos. Neste dia, quero compartilhar ideias e debater dúvidas de alunos relacionadas a temas de sua formação profissional.

Em qualquer dos demais dias, dúvidas e outros esclarecimentos podem ser feitos, respeitando-se o tema da postagem. Todas elas serão respondidas, mais cedo ou mais tarde.

Espero que gostem da proposta e, quanto mais o blog for se desenvolvendo, novidades podem surgir.

Até amanhã.


FELIZ ANIVERSÁRIO!!! Hoje, a postagem será singela. O blog está fazendo 1 ano de vida nesta data: 01 de abril de 2020. Não pode...