segunda-feira, 27 de maio de 2019


DIÁRIO DE UM CRIMINALISTA

O QUE FAZ UM ADVOGADO CRIMINALISTA? pt II


"O advogado criminalista não defende o crime nem o criminoso; ele defende o direito".

"Art. 9º - O advogado deve informar o cliente, de modo claro e inequívoco, quanto a eventuais riscos da sua pretensão, e das consequências que poderão advir da demanda. Deve, igualmente, denunciar, desde logo, a quem lhe solicite parecer ou patrocínio, qualquer circunstância que possa influir na resolução de submeter-lhe a consulta ou confiar-lhe a causa."

"Art. 23 - É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado.

Parágrafo único. Não há causa criminal indigna de defesa, cumprindo ao advogado agir, como defensor, no sentido de que a todos seja concedido tratamento condizente com a dignidade da pessoa humana, sob a égide das garantias constitucionais."

"Art. 43. O advogado que eventualmente participar de programa de televisão ou de rádio, de entrevista na imprensa, de reportagem televisionada ou veiculada por qualquer outro meio, para manifestação profissional, deve visar a objetivos exclusivamente ilustrativos, educacionais e instrutivos, sem propósito de promoção pessoal ou profissional, vedados pronunciamentos sobre métodos de trabalho usados por seus colegas de profissão.

Parágrafo único. Quando convidado para manifestação pública, por qualquer modo e forma, visando ao esclarecimento de tema jurídico de interesse geral, deve o advogado evitar insinuações com o sentido de promoção pessoal ou profissional, bem como o debate de caráter sensacionalista."
(Código de Ética e Disciplina da OAB)

"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória"

"Art. 133 - O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei."
(Constituição Federal)

"No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu." (data da aprovação: 03.12.1969)
(Supremo Tribunal Federal - súmula nº 523)

"Art. 34. Constitui infração disciplinar: XXIV - incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional"
(Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil)


Inicio o texto de hoje com um reflexão que vem me tomando tempo faz alguns dias, em virtude de minha atuação profissional e que também é uma questão a ser feita por todos que atuem em um processo criminal, não apenas os advogados, mas, especialmente, os demais atores: juízes, promotores, servidores e afins.

O que faz (ou deveria fazer) um advogado criminalista?

Na 2ª temporada de Making a Murderer, uma das teses empregadas pelas defesas dos acusados, de ambos foi a de que, tanto Steven Avery quanto Brendan Dassey, não teriam sido adequadamente defendidos, que a defesa foi fraca, insuficiente diante da gravidade das acusações que foram imputadas aos dois.

No livro O inocente, de John Grisham, que virou a série Inocente, da Netflix, foi reconhecido que o acusado Ron Williamson foi insuficiente defendido, motivo pelo qual seu júri foi anulado, vindo a ter comprovada sua inocência depois.

Em Ponte de espiões, Tom Hanks é um advogado especialista em seguros é nomeado para defender um espião russo. Apesar de não ser sua área de atuação, ele se baseia nos princípios básicos do direito processual penal: é responsabilidade da acusação provar que o réu é culpado e não do cidadão sua inocência. Por isso, ele não se importa em saber se seu cliente é culpado ou não. Ele apenas trabalha com as provas apresentadas.

Em Tempo de matar, também de John Grisham, Matthew McConaughey defende um homem acusado de matar os dois estupradores de sua filha, sendo um acusado confesso. Um negro mata dois brancos, em um estado racista. Seu objetivo é convencer os jurados que, apesar da gravidade do crime, as circunstâncias devem ser levadas em consideração e ele perdoado pela comunidade.

Em 12 homens e uma sentença, um dos jurados não está convencido completamente da culpa do acusado e que existe sim uma dúvida razoável. O restante do filme se foca nos debates a respeito da existência (ou não) dessa dúvida. Para o júri, é preciso que todos os jurados votem no mesmo sentido: culpado (guilty) ou não-culpado (not guilty).

No Brasil, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu que um homem fosse absolvido pelo tribunal do júri, apesar de reconhecer sua culpa. Ele foi perdoado pela comunidade, assim como no filme Tempo de matar (HC 313.251/RJ).

Em How to Get Away with a Murderer, a advogada Annelise Keating é um criminalista de sucesso de professora universitária. Como o próprio nome indica, ela ensina seus alunos a fazerem com que seus clientes sejam declarados não-culpados dos crimes de que são acusados, ainda que responsáveis. No entanto, vez que outra algumas linhas éticas são cruzadas.

Em várias séries e filmes jurídico-criminais, especialmente os norte-americanos, os advogados deparam-se com dilemas éticos, ao descobrirem que seus cliente são culpados, porém, a resposta a tal questionamento é esta: Meu dever é para com meu cliente.

As questões a serem feitas e refletidas dizem respeito aos limites desse dever.

Em Breaking Bad, Walter White precisa encontrar uma forma de justificar o dinheiro que conseguiu com a venda de drogas. Seu sócio, Jesse Pinkman, lembra-se então do advogado Saul Goodman e aconselha Walter: Ele deveria encontrar um criminal lawyer e não um criminal lawyer. Ou seja, ele precisa de um advogado criminoso e não criminal.

Os limites da atuação de um advogado criminalista, e de como ele deveria exercer seu ofício, são origem para muitos questionamentos, especialmente em nossa própria sociedade brasileira, pois o desenvolvimento de nosso sistema jurídico possui algumas características únicas, fruto da cultura brasileira em si.

Todo mundo quer proteger apenas os seus direitos, esquecendo-se dos direitos dos outros.

Eu não sou bandido, sou uma pessoa de bem, não erro, não cometo crime algum, sou um cidadão exemplar, por isso, meus direitos devem ser protegidos.

Logo, se a pessoa foi acusada de um crime, é porque deve ter culpa no cartório. Onde há fumaça há fogo. O crime deve ser combatido. Os direitos dos acusados apenas atrasam a justiça. Criminosos não merecem ter direitos. A condenação deve ser rápida e cruel.

Esses são alguns pensamentos compartilhados pela sociedade brasileira em geral. Não existe um culpado para esse pensamento. O Brasil foi criado dessa forma. Eu mesmo já pensei assim, até parar para pensar: existe algo de muito errado nessa história. O que era?

O Direito não se limita ao direito penal. Existe o direito civil, de família, trabalhista, tributário etc. E todos eles possuem algo de parecido, mas todo mundo apenas lembra do direito penal como aquele que é responsável pelos problemas do dia a dia.

No direito civil, um advogado é contratado para cobrar uma dívida e o devedor contrata outro advogado para não pagar essa conta. Por que ninguém critica o devedor?

No direito tributário, o Estado cobra o pagamento de impostos e o devedor contrata um advogado pata também não pagar seus tributos. Por que ninguém critica o sonegador?

No direito de família, a mãe contrata um advogado para cobrar a pensão do pai ausente e que não assume o filho. O pai contrata um advogado para não pagar o que deve. Por que ninguém critica o pai irresponsável?

No direito do trabalho, um empregado demitido sem justa causa contrata um advogado para buscar seus direitos e o patrão contrata outro advogado para não pagar esses direitos. Por que ninguém critica a empresa que explora seus empregados?

Porque nossa sociedade considera "normal" não pagar uma dívida, não honrar compromissos, postergar obrigações etc, contudo, é um pecado cometer um crime. Tudo pode ser levado em consideração, menos um delito. Será mesmo?

Essa pergunta não será respondida aqui. Ela é um excelente problema de criminologia, Aqui, irei começar comparar as situações acima mencionadas.

Não quero convencer ninguém, mas criar a dúvida para cada um pensar por si.

Primeiro: ninguém está livre de um crime.

“E, como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela.”
(João 8:7)

Nossa legislação prevê centenas de condutas que podem ser chamadas de criminosas. É quase impossível saber de todas e evitar o cometimento de uma que outra. Muitas vezes, cometemos crimes sem saber que são delitos e não o fazemos de propósito. Mas, para todo os fins, somos criminosos, até provarmos nossa culpa.

Contudo, apenas nos importamos com os crimes graves e que nos afetam diariamente, como homicídio, furto/roubo, estupro, extorsão, tráfico, corrupção etc. O resto é resto.

Segundo: qual é a diferença entre um crime e uma dívida?

Não existe juridicamente uma diferença entre eles.

Quando duas pessoas fazem um acordo, assinam um contrato, cada uma assume obrigações e deveres para com a outra. Estabelece-se uma confiança entre todos.

A pessoa que não cumpre sua parte não merece confiança e precisa cumprir o que foi acordado. A pessoa traída tem direito a receber o que é seu e por isso contrata um advogado para buscar seus direitos, assim como o empregado que trabalha e não recebe todos os seus direitos, pois seu patrão o explora e recebe todo o lucro. O filho que não recebe pensão do pai não tem culpa dos problemas entre seus genitores e o pai sabe que é sua obrigação cuidar do filho, por isso ele busca um advogado.

O estado, contudo, precisa de um processo para que uma pessoa não seja culpada sem provas. Quantas pessoas inocentes já foram presas e condenadas sem provas?

Para isso existe um processo.

Quem nunca foi considerado culpado de alguma coisa que nunca fez? Não existe sensação pior do que a da injustiça?

Ser civilizado é isso: é reconhecer que o outro, que o colega, o irmão, o vizinho, o amigo etc também são pessoas como eu, como tu e que os mesmos direitos que eu tenho, que nós temos, o outro também têm.

Se eu não gosto de ser punido injustamente, o outro também não.

Esta é apenas uma reflexão introdutória deste tema que irá render outros textos.

Links:

Constituição Federal

Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

Supremo Tribunal Federal - súmula nº 523

Nenhum comentário:

Postar um comentário

FELIZ ANIVERSÁRIO!!! Hoje, a postagem será singela. O blog está fazendo 1 ano de vida nesta data: 01 de abril de 2020. Não pode...