terça-feira, 2 de abril de 2019

Dia de... desabafo

Terça-feira, 02 de abril de 2019.

Prosseguindo com a ideia do blog, e orientando-se pelo cronograma, a pauta de hoje é Direito Penal.


Eu pretendia abordar alguma questão mais polêmica e/ou controversa que tenha sido matéria na imprensa, porém, um acontecimento de hoje me fez alterar um pouco os planos.

Fatos envolvendo execução penal estão programados para as quintas-feiras, no entanto, boa parte das normas que regulam a execução penal está no Código de Penal. O restante das regras encontram-se na Lei de Execuções Penais (LEP).


Portanto, Execução Penal é um tema relacionado a Direito Penal.

O Código Penal (CP) é uma lei editada láááá em 1941, logo, tem quase 80 anos de vida.

O CP é quem determina quando uma conduta é crime e quais são as suas penas, assim como as regras gerais para seu cumprimento.

Em linhas gerais, as penas são divididas em: penas privativas de liberdade (PPL) e penas restritivas de direitos (PRD), além das penas de multa.

As PPLs podem ser de detenção ou reclusão. E é sobre essas que falarei brevemente.

Quanto alguém é condenado a uma pena de 0-4 anos, o regime de cumprimento inicialmente será o aberto.

Quando alguém é condenado a uma pena de 4 anos e 1 dia a 8 anos, o regime de cumprimento será 
inicialmente o semiaberto.

Quando alguém é condenado a uma pena acima de 8 anos, o regime de pena será 
inicialmente o fechado.

Ou seja, ninguém fica todo o tempo de condenação no regime fechado, por exemplo.

Nosso sistema acredita no sistema de ressocialização e reintegração do preso, motivo pelo qual existe a progressão de regime, quando o preso é transferido para um regime menos gravoso quando preenche alguns requisitos legais. 

Cada delito possui regras próprias de progressão.

Não irei tratar aqui e agora sobre os prós e contras do sistema progressivo, porém, uma questão que ainda é pouco enfrentada diz respeito à culpa do Estado pela falência desse sistema progressivo. Irei explicar.

O regime fechado será cumprido em cadeias e penitenciárias. Basta construir um prédio com celas e grades e "jogar" o condenado lá dentro.

O regime semiaberto será cumprido em colônia agrícola ou industrial ou similar, buscando ressocializar o apenado.

O regime aberto será cumprido em casa de albergado ou similar.

O advogado criminalista não discute se o mérito da pena, da condenação. Ele tem consciência que a pessoa condenada deve cumprir sua pena, porém, ele defende que o preso tem o direito de cumprir a pena nos termos da lei. O preso também tem essa noção. Ele sabe que errou e que "vai pagar" pelo que fez, mas não quer "pagar" a mais do que deve. E aqui começam os problemas da execução penal.

Por culpa do Estado, não existem lugares para se cumprir as penas nos regimes semiaberto e aberto. Cadeias e penitenciárias foram construídas, mas não as demais casas, de acordo com os demais regimes.

Durante muito tempo, presos que tiveram sua progressão de regime aprovadas pelos juízes das varas de execução criminal, eram mantidos em lugares mais severos do que tinham direito, especialmente no fechado, causando, obviamente, a superlotação carcerária e ocupando as vagas de outros presos que lá deveriam estar.

Depois de um luta incessante, o Supremo Tribunal Federal decidiu que era proibido, inconstitucional, que uma pessoa fosse mantida em regime mais grave do que tinha direito. Ela deveria cumprir sua pena em local parecido ou em regime menos severo.

Esse é o conteúdo da súmula vinculante nº 56.

O que ele quis dizer.

Que nenhuma pessoa, independentemente do crime que cometeu e da quantidade de pena a cumprir, podia ter seus direitos desrespeitados pelo próprio Estado. Se o Estado quer puni-la, que siga as regras.

Nós, cidadãos, pagamos nossas contas, nossos impostos, taxas e cumprimos nossas obrigações, mas o Estado não faz a parte dele.

Temos estradas ruins, escolas ruins, saúde pública ruim, falta de policiais e outros servidores públicos etc. O Estado não cumpre sua parte.

E quando o Estado não cumpre a sua parte é a população quem sofre as consequências.

Problemas nas cadeias se refletem nas ruas e na segurança pública e isso será tratado noutra oportunidade.

Em Porto Alegre/RS, os juízes das varas de execução criminal há muito tempo perceberam isso e, cumprindo a lei, decidiram que, faltando vagas, os presos seriam libertados e esperariam na rua até que vagas fossem abertas, bem como iriam usar tornozeleiras eletrônicas e estariam proibidos de sair de casa.

Muitos presos descumprem essas regras e vão sofrer as consequências, porém, a grande maioria segue as ordens, porque não querem voltar ao "sistema" e sabem que tem o direito de cumprir o restante de sua pena fora da cadeia.

Contudo, hoje me deparei com uma situação que me deixa realmente pensativo.

Em uma cidade da região metropolitana de Porto Alegre, o juiz da vara de execuções criminais simplesmente não obedece à súmula vinculante nº 56.

Súmulas vinculantes são regras que devem ser obedecidas obrigatoriamente. Os juízes e nenhum outro servidor pode "dizer não".

Então, o que ocorre?

Qualquer condenado que inicie o cumprimento de sua pena no regime fechado ou tenha direito à progressão, é mantido no regime fechado, até surgir uma vaga, porém, a lista de espera é tão grande quanto a lista do SUS por um exame.

Praticamente não existem vagas nos regimes aberto e semiaberto no Rio Grande do Sul em número suficiente à lista de espera.

Assim, uma pessoa que errou, todos sabemos, é punida além do necessário, já que o Estado não cumpriu suas obrigações e o Judiciário, igualmente, não cumpre a sua parte de respeitar a Lei que jurou proteger.

A postura desse juiz é igual a de tantos outros Brasil afora. É normal sim que juízes descumpram as leis. Isso acontece todo dia, toda hora. E eles não têm qualquer punição.

Uma pessoa descumpre a lei é punida, presa, multada etc...

Esse lado obscuro da justiça criminal é conhecido por poucos. E menos ainda divulgado na grande mídia, pois ela não sabe o que fazer com esse tipo de informação.

A criminalidade não vai baixar, diminuir porque algumas pessoas foram mantidas presas além do tempo necessário.

Qualquer profissional do Direito sabe, especialmente os juízes.

Por isso, a pergunta, e que também serve de desabafo:

O que eu ganho descumprindo a lei, prejudicando uma pessoa que desconheço?

Aqui, por exemplo, já posso começar a separar os "caras bons" dos "caras maus".

Essa divisão ainda existe, preto no branco?

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