Sextou (sabadou) com... Ciências Criminais
Por que devorar Making a Murderer (pt 1)
Leitores e leitoras, meus cumprimentos.
Estou devendo alguns textos esta semana. Não nego.
Porém, o mundo jurídico andou um pouco morno, exceto quanto ao imbróglio criado pelo Supremo Tribunal Federal no caso dos sites Crusoé e O Antagonista, que comentei na última quarta-feira.
E, para a surpresa de todos, o Min. Alexandre de Moraes, defendendo que as notícias eram (pasmem!!!) verdadeiras, revogou a suspensão (censura) dos sites.
Ora, a esta altura do campeonato, todo mundo já sabia do que se tratava as matérias proibidas, com as respectivas provas.
Pois bem, hoje, como é o prometido, irei abordar temas da cultura pop.
E, desculpem-me alguns, contudo, irei me dedicar a um bom tempo ao seriado Making a Murderer, pois, como disse noutro dia, ele mexeu com a minha cabeça.
[enquanto escrevia este texto, faltou luz aqui em casa; felizmente, o rascunho foi salvo...]
Por que eu recomendo, fortemente, que assistam a este documentário?
Porque ele é extremamente didático, além de verdadeiro.
Os próprios norte-americanos ficaram surpresos com seu sistema de justiça criminal que mal conheciam, apesar dos inúmeros programas policiais, com Lei e Ordem, CSI, Suits e tantos.
A diferença é que Making a Murderer não é um programa policial, mas sim do sistema jurídico-criminal em seu todo, mostrando o trabalho policial e o que ocorre depois que os "bandidos são presos"; como é o julgamento por seus atos.
Making a Murderer possui duas temporadas. Cada uma delas possui sua própria narrativa e podem ser vistas separadamente, embora a história seja uma só.
Cada temporada possui 10 episódios e não existe previsão para uma 3ª (ainda).
Aqui, irei me ater à 1ª temporada.
Primeira temporada - o julgamento de Steven Avery e Brandon Dassey
Já no 1º episódio, somos apresentados a todos os principais personagens da história: Steven, os policiais da cidade e os promotores.
Na estreia, Steven é descrito como um homem simples e com eventuais problemas com a polícia por atritos de menor importância. Porém, como ele vive em uma cidade pequena, Steven ficou "marcado" pela polícia, que queria vê-lo preso por mais tempo.
Então, em 1985, uma mulher, conhecida nos altos círculos sociais da cidade, é vítima de um ataque sexual (tentativa de estupro e homicídio). O ato não se consuma e ele foge. Devido à descrição do agressor, é feito um desenho do mesmo e Steven é preso, julgado e condenado pelo crime.
Em 2003, 18 anos depois, exames de DNA comprovam a inocência de Avery. O verdadeiro culpado é encontrado, já que possuía ficha policial, fora preso anteriormente e também tinha histórico de crimes sexuais.
Durante a revisão do caso, a defesa constatou que não se trata de um simples erro policial, mas sim que as autoridades policiais não investigaram de propósito e fizeram o possível para incriminá-lo.
Não irei contar como, senão, seriam spoilers... Assistam e surpreendam-se!
Tão logo ele é solto, decide processar o estado pela condenação injusta. Fim do primeiro episódio.
Avery é novamente acusado pelo homicídio de outra mulher em 2005.
Esse crime ocorreu dias após o fim da sindicância para apurar a responsabilidade da polícia em seu caso de condenação injusta.
Durante a investigação, seu sobrinho, Brandan Dassey, é igualmente acusado, com base, unicamente, em uma questionável confissão que fez. Ele tinha apenas 16 de idade.
Steven, então, faz um acordo com o estado e usa o dinheiro para pagar pelos advogados que irão defendê-lo no caso de homicídio.
Os próximos 6 episódios mostram o desenrolar do julgamento, com a apresentação das provas, a inquirição das testemunhas, alguns bastidores da defesa.
Steven, novamente, é condenado. Ano: 2007.
Pena: prisão perpétua, sem direito a livramento condicional.
E, como escrevi em outro texto, cabe a cada um que assistir julgar se o veredicto é justo ou não.
As principais provas foram mostradas no documentário.
Paralelamente a isso, ocorre o julgamento de Brendan.
O Ministério Público, de propósito, decide processar Dassey separadamente. A única prova da acusação foi sua confissão.
O documentário também mostra o histórico da defesa do adolescente, nitidamente abaixo do normal para sua idade.
Brendan Dassey também foi condenado. Ano: 2007.
Pena: perpétua, com livramento condicional em 2048.
O diferencial do documentário
Como referi, a maioria dos seriados policiais apenas exibe a investigação, como CSI e Lei e Ordem. Os policiais são tratados como pessoas íntegras, honestas, acima de qualquer suspeita; o trabalho de investigação é perfeito. A perícia não erra e faz de tudo para encontrar o verdadeiro culpado.
Seriados jurídicos apresentam advogados que não perdem seus casos, que podem descobrir qualquer solução jurídica e possuem todos os meios para defender seus clientes. Toda resposta é encontrada em questão de horas ou dias.
Contudo, a vida real é bem diferente da arte, da ficção.
O julgamento verdadeiro demorou semanas.
Páginas e páginas de provas e depoimentos foram analisados.
Dezenas de pessoas, policiais e peritos testemunharam nesse caso.
Aqui, nós, brasileiros, acompanhamos um processo do início ao fim, desde a comunicação do crime até a sentença.
Existe a investigação, prisão do suspeito, audiências iniciais de preparação e o julgamento pelo júri. Esse ritual todo é bastante diferente do modelo aqui do Brasil e irei falar dele na próxima semana. Irei comparar brevemente cada rito processual penal.
O próprio documentário é um programa sensacional.
Percebe-se o cuidado e o trabalho que As criadorAs tiveram em contar a história.
O crime ocorreu em outubro de 2005. A sentença saiu dois anos depois. As criadoras do programa demoraram quase 10 anos para encontrar as peças e montar o documentário e o resultado é fascinante.
O crime e o julgamento receberam uma cobertura da mídia sem igual à época, porque Steven era uma pessoa famosa por ter sido injustamente condenada.
Cada episódio possui cerca de 1h de duração e a narrativa não é cansativa e quanto mais o tempo avança, mais queremos saber como vai terminar.
O foco é em Steven, porém, na hora certa, conta-se a história de Brendan.
Também conhecemos o dia a dia da família de Steven, especialmente seus pais.
Este documentário abalou os Estados Unidos.
Ele foi lançado na Netflix em dezembro de 2015 e causou uma comoção nacional.
Cada um que assistiu possui seu julgamento. Milhares de pessoas pediram que o Estado reconhecesse a inocência de ambos e os perdoasse, mas os protestos não comoveram as autoridades.
Na cidade onde o crime ocorreu, como era de se esperar, cada cidadão tem seu entendimento.
Meu veredicto
Se puder assistir Making a Murderer, faça-o o quanto antes.
Mesmo sendo um país diferente, com leis diferentes, é possível se perceber algumas semelhanças.
A parcialidade da imprensa, a vontade de punir do Estado a qualquer custo, sempre colocando o povo contra os acusados (que podem ser inocentes), autoridades policiais dando entrevistas sem necessidade e contando detalhes do caso, o trabalho da defesa em casos de grande repercussão e crimes complexos etc.
Sempre pergunto: se você fosse um jurado, iria absolver ou condenar Steven Avery e Brendan Dassey pelos crimes a eles imputados, com as provas que o Ministério Público apresentou?
Este documentário é ainda mais fascinante para quem milita na área criminal e assiste ao programa com os olhos da lei, como eu fiz. E que irei abordar na próxima semana em duas postagens (Diário de um criminalista e Quarta-feira de processo penal).
Semana que vem, a análise da 2ª temporada.
Irei retomar boa parte do exame da 1ª, pois alguns temas se relacionam e que merecem ser explicados de outra forma.
PS: assistam. Não irão se arrepender!!!
Estou devendo alguns textos esta semana. Não nego.
Porém, o mundo jurídico andou um pouco morno, exceto quanto ao imbróglio criado pelo Supremo Tribunal Federal no caso dos sites Crusoé e O Antagonista, que comentei na última quarta-feira.
E, para a surpresa de todos, o Min. Alexandre de Moraes, defendendo que as notícias eram (pasmem!!!) verdadeiras, revogou a suspensão (censura) dos sites.
Ora, a esta altura do campeonato, todo mundo já sabia do que se tratava as matérias proibidas, com as respectivas provas.
Pois bem, hoje, como é o prometido, irei abordar temas da cultura pop.
E, desculpem-me alguns, contudo, irei me dedicar a um bom tempo ao seriado Making a Murderer, pois, como disse noutro dia, ele mexeu com a minha cabeça.
[enquanto escrevia este texto, faltou luz aqui em casa; felizmente, o rascunho foi salvo...]
Por que eu recomendo, fortemente, que assistam a este documentário?
Porque ele é extremamente didático, além de verdadeiro.
Os próprios norte-americanos ficaram surpresos com seu sistema de justiça criminal que mal conheciam, apesar dos inúmeros programas policiais, com Lei e Ordem, CSI, Suits e tantos.
A diferença é que Making a Murderer não é um programa policial, mas sim do sistema jurídico-criminal em seu todo, mostrando o trabalho policial e o que ocorre depois que os "bandidos são presos"; como é o julgamento por seus atos.
Making a Murderer possui duas temporadas. Cada uma delas possui sua própria narrativa e podem ser vistas separadamente, embora a história seja uma só.
Cada temporada possui 10 episódios e não existe previsão para uma 3ª (ainda).
Aqui, irei me ater à 1ª temporada.
Primeira temporada - o julgamento de Steven Avery e Brandon Dassey
Já no 1º episódio, somos apresentados a todos os principais personagens da história: Steven, os policiais da cidade e os promotores.
Na estreia, Steven é descrito como um homem simples e com eventuais problemas com a polícia por atritos de menor importância. Porém, como ele vive em uma cidade pequena, Steven ficou "marcado" pela polícia, que queria vê-lo preso por mais tempo.
Então, em 1985, uma mulher, conhecida nos altos círculos sociais da cidade, é vítima de um ataque sexual (tentativa de estupro e homicídio). O ato não se consuma e ele foge. Devido à descrição do agressor, é feito um desenho do mesmo e Steven é preso, julgado e condenado pelo crime.
Em 2003, 18 anos depois, exames de DNA comprovam a inocência de Avery. O verdadeiro culpado é encontrado, já que possuía ficha policial, fora preso anteriormente e também tinha histórico de crimes sexuais.
Durante a revisão do caso, a defesa constatou que não se trata de um simples erro policial, mas sim que as autoridades policiais não investigaram de propósito e fizeram o possível para incriminá-lo.
Não irei contar como, senão, seriam spoilers... Assistam e surpreendam-se!
Tão logo ele é solto, decide processar o estado pela condenação injusta. Fim do primeiro episódio.
Avery é novamente acusado pelo homicídio de outra mulher em 2005.
Esse crime ocorreu dias após o fim da sindicância para apurar a responsabilidade da polícia em seu caso de condenação injusta.
Durante a investigação, seu sobrinho, Brandan Dassey, é igualmente acusado, com base, unicamente, em uma questionável confissão que fez. Ele tinha apenas 16 de idade.
Steven, então, faz um acordo com o estado e usa o dinheiro para pagar pelos advogados que irão defendê-lo no caso de homicídio.
Os próximos 6 episódios mostram o desenrolar do julgamento, com a apresentação das provas, a inquirição das testemunhas, alguns bastidores da defesa.
Steven, novamente, é condenado. Ano: 2007.
Pena: prisão perpétua, sem direito a livramento condicional.
E, como escrevi em outro texto, cabe a cada um que assistir julgar se o veredicto é justo ou não.
As principais provas foram mostradas no documentário.
Paralelamente a isso, ocorre o julgamento de Brendan.
O Ministério Público, de propósito, decide processar Dassey separadamente. A única prova da acusação foi sua confissão.
O documentário também mostra o histórico da defesa do adolescente, nitidamente abaixo do normal para sua idade.
Brendan Dassey também foi condenado. Ano: 2007.
Pena: perpétua, com livramento condicional em 2048.
O diferencial do documentário
Como referi, a maioria dos seriados policiais apenas exibe a investigação, como CSI e Lei e Ordem. Os policiais são tratados como pessoas íntegras, honestas, acima de qualquer suspeita; o trabalho de investigação é perfeito. A perícia não erra e faz de tudo para encontrar o verdadeiro culpado.
Seriados jurídicos apresentam advogados que não perdem seus casos, que podem descobrir qualquer solução jurídica e possuem todos os meios para defender seus clientes. Toda resposta é encontrada em questão de horas ou dias.
Contudo, a vida real é bem diferente da arte, da ficção.
O julgamento verdadeiro demorou semanas.
Páginas e páginas de provas e depoimentos foram analisados.
Dezenas de pessoas, policiais e peritos testemunharam nesse caso.
Aqui, nós, brasileiros, acompanhamos um processo do início ao fim, desde a comunicação do crime até a sentença.
Existe a investigação, prisão do suspeito, audiências iniciais de preparação e o julgamento pelo júri. Esse ritual todo é bastante diferente do modelo aqui do Brasil e irei falar dele na próxima semana. Irei comparar brevemente cada rito processual penal.
O próprio documentário é um programa sensacional.
Percebe-se o cuidado e o trabalho que As criadorAs tiveram em contar a história.
O crime ocorreu em outubro de 2005. A sentença saiu dois anos depois. As criadoras do programa demoraram quase 10 anos para encontrar as peças e montar o documentário e o resultado é fascinante.
O crime e o julgamento receberam uma cobertura da mídia sem igual à época, porque Steven era uma pessoa famosa por ter sido injustamente condenada.
Cada episódio possui cerca de 1h de duração e a narrativa não é cansativa e quanto mais o tempo avança, mais queremos saber como vai terminar.
O foco é em Steven, porém, na hora certa, conta-se a história de Brendan.
Também conhecemos o dia a dia da família de Steven, especialmente seus pais.
Este documentário abalou os Estados Unidos.
Ele foi lançado na Netflix em dezembro de 2015 e causou uma comoção nacional.
Cada um que assistiu possui seu julgamento. Milhares de pessoas pediram que o Estado reconhecesse a inocência de ambos e os perdoasse, mas os protestos não comoveram as autoridades.
Na cidade onde o crime ocorreu, como era de se esperar, cada cidadão tem seu entendimento.
Meu veredicto
Se puder assistir Making a Murderer, faça-o o quanto antes.
Mesmo sendo um país diferente, com leis diferentes, é possível se perceber algumas semelhanças.
A parcialidade da imprensa, a vontade de punir do Estado a qualquer custo, sempre colocando o povo contra os acusados (que podem ser inocentes), autoridades policiais dando entrevistas sem necessidade e contando detalhes do caso, o trabalho da defesa em casos de grande repercussão e crimes complexos etc.
Sempre pergunto: se você fosse um jurado, iria absolver ou condenar Steven Avery e Brendan Dassey pelos crimes a eles imputados, com as provas que o Ministério Público apresentou?
Este documentário é ainda mais fascinante para quem milita na área criminal e assiste ao programa com os olhos da lei, como eu fiz. E que irei abordar na próxima semana em duas postagens (Diário de um criminalista e Quarta-feira de processo penal).
Semana que vem, a análise da 2ª temporada.
Irei retomar boa parte do exame da 1ª, pois alguns temas se relacionam e que merecem ser explicados de outra forma.
PS: assistam. Não irão se arrepender!!!
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