quarta-feira, 1 de abril de 2020


FELIZ ANIVERSÁRIO!!!


Hoje, a postagem será singela.

O blog está fazendo 1 ano de vida nesta data: 01 de abril de 2020.

Não poderia deixar passar esta data tão importante.

Por vários motivos, não foi possível dar continuidade às postagens no 2º semestre do ano passado, no entanto, a ideia desta página está em reformulação.

Ela virá mais forte e com um novo propósito.

Estamos vivendo tempos estranhos e inesperados, logo, a página também irá se adaptar a este novo cenário.

Esperem que logo virão novidades.

Até. 



terça-feira, 11 de junho de 2019

DIREITO PENAL

DOLO (EVENTUAL): DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS?

"A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.”
Karl Marx"

Começo o texto de hoje com a ilustrativa frase de Marx, porque ela descreve perfeitamente o tema deste escrito.

Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, na cidade de Santa Maria/RS, uma casa noturna pegou fogo, vitimando centenas de clientes, sendo o número de mortos quase de 3 (três) centenas.

A causa do incêndio, conforme foi apurado, foi decorrente do uso de fogos de artifício pelos músicos em seu show. As fagulhas atingiram a espuma que servia de isolante sonoro da boate, alastrando-se. Parte dos óbitos se deve à inalação da fumaça e outra em decorrência dos gases venenosos produzidos quando a espuma pegou fogo.

Durante a investigação, apurou-se que a casa possuía alvará de funcionamento, ainda que provisório, e devidamente válido, emitido pelas autoridades competentes, neste caso, o corpo de bombeiros e a prefeitura municipal.

Terminada a investigação, a polícia civil indiciou 16 (dezesseis) pessoas como sendo as responsáveis pelo ocorrido. Contudo, meses depois, apenas 4 (quatro) pessoas foram denunciadas pelos fatos: 2 (dois músicos) e os 2 proprietários do local. Os bombeiros e os agentes públicos responderiam em esferas de responsabilidade distintas.

Todos foram acusados de homicídio e tentativa de homicídio, na forma qualificada, na forma do dolo eventual. Ou seja, os denunciados não tinham a intenção de cometer os delitos diretamente, “mas assumiram o risco”.

Em grau de recurso, as qualificadoras foram afastadas, mantendo-se a tese original de dolo eventual.

Novo recurso foi empregado, tendo sido afastada a imputação a título de dolo eventual. Logo, afastou-se a competência do tribunal do júri para apreciar a matéria, ou seja, o caso será julgado por um juiz de direito, porém, caberá ao Ministério Público ajuizar outra denúncia, reiniciando-se todo o processo do zero.

O Ministério Público recorreu dessa decisão e o processo está aguardando julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), sediado em Brasília. A previsão é de que o julgamento ocorra no próxima dia 18 de junho.

Portanto, dentro de exatamente 1 (uma) semana.

Caso Ninho do Urubu

No dia 08 de fevereiro de 2019, contêineres que serviam de alojamento para as categorias do Clube de Regatas Flamengo pegaram fogo, vitimando fatalmente 10 (dez) atletas, enquanto que outros ficaram seriamente feridos.

Hoje, dia 11 de junho de 2019, quatro meses depois, a polícia civil carioca indiciou 8 (oito) pessoas, sendo uma delas o presidente do clube em 2018, e não o atual, o técnico responsável pelo ar-condicionado, engenheiros que construíram os alojamentos e outros funcionários.

Segundo a polícia, todos são responsáveis pelas mortes, na forma do dolo eventual, eis que, em resumo: a) o local não estava autorizado para servir de alojamento, mas sim como estacionamento; b) o clube não possuía as autorizações dos entes públicos para manter alojamentos; c) o clube já havia sido multado inúmeras vezes em virtude desses irregularidades; d) o incêndio ocorreu em virtude de um curto-circuito no equipamento de ar-condicionado que fora mal instalado, além de não receber manutenção periódica; e) inexistência de responsável junto aos atletas para socorro, caso fosse preciso.

Os próximos passos agora serão tomados pelo Ministério Público, a quem compete o ajuizamento da denúncia, dando início ao processo penal em questão, não estando ele obrigado a seguir o indiciamento.

Dois pesos e duas medidas? Não.

Conforme se observa pelo que fora apenas descrito, ambas as situações são muito parecidas, porém, muito diferentes no que realmente importa.

Nos dois casos, as autoridades admitem que não existe dolo direto, a vontade manifesta de matar, de cometer os homicídios. Logo, a discussão fica em torno do conduta, se culposa (sem intenção) ou mediante dolo eventual.

No exemplo da Boate Kiss, não se nega que ocorreu um trágico acidente, quando uma atração do show saiu do controle, não sendo possível tomar outra providência. Tudo aconteceu muito rápido, porém, a casa tinha autorização para funcionar.

A prefeitura e os bombeiros tinham concedido os respectivos alvarás, não podendo os donos da boate serem culpados por algo que não é de sua competência. Além disso, os próprios músicos erraram, também sem intenção, ou vontade de matar. Há muito tempo eles faziam o mesmo show, com fogos de artifício manuais, que todo mundo já viu em casa noturnas, sem qualquer incidente. Logo, por que eles imaginariam que, agora, daria errado?

Toda boate possui lotação acima da permitida e as autoridades sabem disso, mas não fazem absolutamente nada para evitar. Todas elas são campeãs em dar desculpas, ao invés de evitar novos episódios como este.

Por isso, parece-me acertada a decisão do Tribunal de Justiça gaúcho em desclassificar para outro delito, que não seja de competência do tribunal do júri, os fatos ocorridos naquele dia 27 de janeiro de 2013.

Entretanto, o caso do Ninho do Urubu é bastante diferente, causando espanto a todos quando as primeiras notícias foram veiculadas.

Adolescente dormindo em contêineres improvisados porque no clube não havia quartos e alojamentos próprios? E não era uma resposta pontual; há meses aquilo estava acontecendo, sem nunca o clube ter buscado outra solução, ou mesmo autorização para funcionamento. Junto à prefeitura, no lugar dos contêineres, deveria haver um estacionamento, motivo pelo qual nunca houve fiscalização pelas autoridades. O clube, simplesmente, fraudou as regras e estava se beneficiando da omissão das autoridades.

Nesse meio tempo, esse mesmo clube já havia recebido inúmeras multas pelo funcionamento ilegal de outras instalações, mas a “burrocracia” impediu que o local fosse interditado.

O presidente do clube é indiciado por ser, obviamente, o responsável por tudo o que ocorre nas dependências, sendo ele quem tem o poder de determinar ou não o prosseguimento das atividades, dando seu aval. Assim também são responsáveis os engenheiros, profissionais altamente qualificados que, por seu mister, têm a obrigação de seguir a lei quando se trata de seu ofício, já que todos tinham plena ciência das irregularidades dos alojamentos. Um ar-condicionado instalado “nas coxas”, fora dos padrões mínimos de segurança é uma bomba-relógio prestes a explodir, especialmente em nosso verão quente, quando é mais utilizado, além de ter sido instalado em um lugar fechado e que servia de quarto para vários adolescentes dormirem.

De um lado, temos pessoas que erraram, por culpa, mas que estavam com todos os “papeis em dia”. Do outro lado, temos um monte de irregularidades, sendo uma tragédia anunciada.

Em ambos os casos, nenhum dos responsáveis quis que as mortes acontecessem, porém, é visível quem “errou mais”, isto é, quem, cuja conduta negligente, omissa, ou pior, contribuiu mais para os acontecimentos.

Tais reflexões acima são apenas um dos vários pontos que serão abordados. Ou que deveriam ser, em casos de grande repercussão.

São casos como esses, difíceis, problemáticos, que servem para colocar a teoria que estudamos na faculdade à prova, além de testar o compromisso dos juízes, delegados, promotores e todo o sistema.

O sistema serve ao Direito ou a outros interesses?

Concluo o texto de hoje com uma pequena confissão.

Tenho um carinho especial pelo instituto do dolo, já que ele foi meu tema do TCC da graduação, mas que abandonei em virtude de outro interesse romântico acadêmico. Contudo, sempre que posso, interesso-me em ler casos em que esta discussão sempre é travada. O caso Boate Kiss é um de meus proferidos e o julgamento do STJ na semana que vem será emblemático.

O dolo é um instituto de direito penal ainda pouco estudado no Brasil, com a profundidade necessária, ao contrário do que ocorre na Europa. Em nível de julgamentos, a situação é ainda pior, já que não existe um mínimo de compreensão judicial sobre ele; cada um decide como quer.

Portanto, a quem interessar possa, indico algumas leituras mais modernas sobre o assunto. Trata-se de tema de domínio obrigatório a qualquer profissional das ciências penais.

Dissertações:

A problemática do dolo (eventual) no direito penal contemporâneo, de Wilson Franck Junior

Sobre o estado atual da dogmática do dolo, de Guilherme Francisco Ceolin

Livros:

Punindo a culpa como dolo: o uso da cegueira deliberada no Brasil, Guilherme Brenner Lucchesi

Dolo como compromisso cognitivo, de Eduardo Viana

Dolo e direito penal: modernas tendências, de Paulo César Busato (coord.)

Links:

Veja quem são os indiciados pelo incêndio na boate Kiss

Acompanhamento do processo Boate Kiss – TJRS

Atletas da base do Flamengo morrem em incêndio no CT Ninho do Urubu

Polícia indicia ex-presidente Eduardo Bandeira de Mello e outras 7 pessoas por homicídios no CT do Flamengo




domingo, 9 de junho de 2019

ESPAÇO DO ALUNO

POR QUE DECIDI ME TORNAR UM PROFESSOR UNIVERSITÁRIO? pt V

Pessoal, boa noite.

Inicialmente, gostaria de abrir este texto felicitando todos aqueles que seguem o perfil do blog no Instagram. 


Com a marca de 100 (cem) seguidores, poderei acompanhar melhor a receptação dos textos e tentar oferecer conteúdo de mais qualidade a todos os leitores.

Feito isso, vamos ao que importa, porque a noite de domingo promete.

Não irei tratar, comentar ou escrever uma única linha sobre o escândalo da noite, que envolve um furo jornalístico e que possui como objeto supostas conversas que teriam sido travadas entre o atual Ministro da Justiça, Sérgio Moro, e o procurador da República que lidera a força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol. 

Pela gravidade dos fatos, e a forma como esse tema veio a público, eles deverão ser minuciosamente investigados pelas autoridades responsáveis, numa prova de seriedade e amadurecimento de nossas instituições. 

E, com esse gancho, inicio este texto.

Finalmente, poderei retomar minha história acadêmica, contando os porquês das escolhas que fiz ao longo dessa trajetória, dessa carreira.

Irei narrar a jornada em etapas, da graduação ao mestrado.

1. Graduação: Ciências Jurídicas e Sociais - PUCRS


O momento mais difícil, penoso de toda graduação em Direito, certamente, é a escolha do tema para o trabalho de conclusão de curso (TCC).

Existe muita coisa em jogo, porque se trata de uma etapa em que vários caminhos se cruzam, sendo um momento decisivo para a vida profissional do estudante.

Não importa a idade, experiência ou o que quer que seja: não é tão fácil quanto parecer escolher o tema da monografia. Porém, também não é tão difícil quanto alguns acreditam. Existem alguns macetes, dicas ou passos a serem seguidos que tornam menos trabalhosa essa tarefa e que pretendo abordar neste espaço.

Desde a graduação, eu quis que meu trabalho tivesse um pouco de pesquisa empírica, que não fosse puramente teórico, que lidasse com um problema real e prático do dia a dia. 

Sobre isso, já escrevi anteriormente, logo, mesmo sem uma prévia orientação, eu já tinha um norte minimamente traçado, sabendo onde estava e para onde queria ir.

Por isso, deixei para o último ano o TCC, já que ainda não tinha a ideia certa.

Depois de um evento acadêmico, o tema apareceu e fui correr atrás de um orientador para aquele assunto. Assunto deveras polêmico e de relevância prática, além de possuir sérias questões teóricas a serem abordadas. Perfeito.

O resto fica para a próxima semana.

2. Especialização I: Ciências Penais - PUCRS

Meses antes de concluir a graduação, eu já tinha a certeza de que queria ser professor e que para isso deveria ter um mestrado.


No entanto, decidi, igualmente, cursar uma especialização.

Ela seria o degrau de preparação para uma formação acadêmica mais profunda e madura.

Contudo, eu tinha pouco conhecimento da pós-graduação latu sensu em si, ademais, gostaria de ter um pouco de experiência prática, de advocacia, para depois escolher uma tema para a monografia final da especialização.

Não havia pressa. Só depois que tivesse o assunto em mente, iria me matricular e dar prosseguimento. Novamente, queria um assunto com viés prático.

As ideias apareciam a todo momento e, devido ao dia a dia do escritório, mudei o foco do meu interesse acadêmico. De amante do direito penal, resolvi assumir um relacionamento sério com o direito processual penal.

Justamente no final daquele ano de 2012, foi, enfim, julgada a Ação Penal nº 470, comumente chamada de "Mensalão". Pela primeira vez, um julgamento dessa tamanho e natureza foi exibido ao vivo e a cores, em rede nacional, através da TV Justiça.

Vi sustentações orais, de excelentes a outras nem tanto, os debates teóricos, pessoais e ideológicos entre os ministros do STF e a forma como um julgamento era realizado, de fato, pela Corte Suprema nacional. Tive um choque de realidade e ali eu decidi, um pouco, sobre que tipo de advogado eu seria. Como mesclar o acadêmico e o profissional.

A partir da AP 470, escolhi o tema da monografia da especialização.

Antes disso, eu havia pesquisado todos os cursos de pós latu sensu disponíveis na região, preços, tinha feito meu planejamento financeiro e, sopesando gastos e benefícios, enfim, matriculei-me em 2013.

3. Especialização II: Docência no Ensino Superior - PUCRS

Em 2013, mudei de escritório e comecei minha 1ª pós.

Em 2014, mudei novamente, para meu próprio negócio e, pode parecer loucura, mas mal tinha terminado a pós anterior e matriculei noutro curso. Contudo, agora, os motivos eram outros e eu estava decidido a jogar diferente este jogo.

Ainda na graduação, eu já tinha percebido que um título acadêmico (mestrado ou doutorado) não era o bastante para se formar um professor.


Eu tivera ótimos docentes com pouca titulação acadêmica, enquanto que outros, doutores, são professores dos quais não guardo boas lembranças docentes. Eles poderiam ser ótimos profissionais em suas áreas de atuação e acadêmicos de respeito, contudo, como professores, deixavam muito a desejar.

E tais frustrações e questionamentos serviram de reflexões sobre o tipo de professor que gostaria de ser no futuro.

Então, perguntei-me: como me tornar esse professor universitário?

Pesquisando cursos de especialização, encontrei específico à docência universitária.

Fiquei maravilhado com a proposta e vi ali uma luz de esperança. 

Depois de outra exaustiva pesquisa, decidi o curso e me matriculei.

Ao longo da pós, que era a distância, tive várias ideias, mas nenhuma se destacava. Voltei, então, as minhas reflexões de estudante para determinar sobre o quê escrever.

O desfecho desta pós ainda me enche de orgulho.

4. Mestrado


Enfim, o destino prometido, mas não o definitivo.

Minha trajetória na pós-graduação strictu sensu demanda um texto próprio, ante a quantidade de episódios que se sucederam, tendo todas servido para uma aprendizagem maior, tanto academicamente quanto profissional.

Algumas posturas e metodologia de ensino para com os meus futuros alunos tiveram suas sementes plantadas nesta experiência. Para isso serve o mestrado. Ou deveria servir.

Semana que vem continuamos.

sexta-feira, 7 de junho de 2019

SEXTOU COM... CIÊNCIAS CRIMINAIS

ADMIRÁVEL MUNDO (VELHO) - THE SOCIETY pt II

Boa noite, pessoal.

Hoje, irei retomar a crítica da semana passada a respeito do programa The Society.

Não pretendia, porém, os restante do seriado me obrigou a escrever algumas linhas, ante a temática penal que tomou conta do show nos episódios que vi.

Eu tinha assistido apenas aos 2 primeiros episódios e estava quase desistindo, mas como sou teimoso, resolvi terminar. São apenas 10 episódios, de 1h cada. Uma tortura que sou capaz de resistir, porque, convenhamos, esse programa é chaaaato demais.

O título deste texto é uma referência ao clássico de Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo, escrito em 1932.

Em The Society, cerca de uma centena de adolescentes poderiam construir um mundo novo, sem qualquer relação com o passado, porém, alguns eventos históricos são cíclicos, ainda que um grupo de historiadores discorde. Fica a critério de cada um ter sua conclusão.

Nada é melhor que um homicídio para se testar o grau de civilização de uma grupo.

Mas, primeiro, quais seriam os ditos "parâmetros civilizatórios"?

Os episódios 4-5 do seriado serviram para isso.

Como escrevi na semana passada, o direito penal é uma das primeiras expressões do Direito que aparecem em qualquer agrupamento, logo, não irei tratar de sua legitimidade neste texto, mas sim da forma como ele deve(ria) se configurar.

Nós, seres humanos, erramos. E muito! Demais às vezes. E, não raras vezes, repetimos o mesmo erro repetidamente, mesmo querendo mudar. 

Freud explica. Porém, iremos deixar o Pai da Psicanálise de lado desta vez.

Em The Society, havia uma forma de estado primitiva naquela sociedade e que estava em vias de afirmação.

Durante esse período, um homicídio ocorre no seio daquele grupo, então, como reagir? Como os adolescentes reagiram?

Teve uma investigação, surgiu um suspeito, ele foi julgado e condenado. Fim.

Fim? Não, para mim, foi apenas o começo de outro fim...

Nos primeiros semestres da faculdade de Direito, aprendemos sobre os princípios, garantias e regras básicas de qualquer ordenamento jurídico, assim como as normas específicas de cada um dos campos do direito (penal, civil, tributário, administrativo...). Podemos não prestar atenção a sua importância até a realidade vir e nos der um golpe e nos fazer acordar.

The Society deu esse golpe, contudo, seu alvo deveria ser outro.

Para quê serve o Direito Penal e Processual Penal afinal de contas?

Para o que aconteceu em The Society não se repita no "mundo real".

Hoje, virou motivo de piada, de ironia, de sarcasmo defender direitos humanos. 

Haveria o direito humanos e direitos dos manos. Não vou tratar dessa divisão ridícula, pois ela foi criada por quem não sabe o seu lugar onde vive. Lugar esse que o programa tratou de apresentar de forma bastante clara.

A liberdade é o direito máximo e absoluto de qualquer ser humano. Todo mundo é livre para fazer o que quiser, desde que:

a) não prejudique a liberdade dos outros;
b) haja uma lei que limite essa liberdade em prol do bem comum.

Nenhuma das duas conduções é extravagante. São razoáveis para se viver numa sociedade harmônica. E aqui entra o direito penal.

Se o direito penal existe para proteger bens e valores universais, de modo que as pessoas se sintam ameaçadas por não cumprir as regras e evitem cometer novos delitos, a primeira dessas regras é determinar o que é e o que não é crime.

Esse é o postulado básico da garantia da legalidade e que, em nossa Constituição Federal, encontra-se previsto no art. 5º, XXXIX e XL:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Ou seja, cabe ao Estado, através de uma lei, determinar quais condutas são crimes e quais são as respectivas penas. Essa lei deve ser anterior ao cometimento do delito e não pode ser aplicada para punir fatos ocorridos antes de sua edição.

Uma pessoa somente pode ser responsabilizada criminalmente quando sabia que o que fez era crime, quando fez o que era proibido, tendo decidido infringir a lei. Lógico.

Assim, todo mundo, independentemente de raça, idade, sexo, posição social etc, caso faça algo proibido, será punida criminalmente e receberá a mesma pena que outro cidadão. 

Assim, espera-se que ninguém cometa crimes, a fim de não ser punido, ou que, depois do seu cometimento, reflita e não faça novamente.

Nossa História é rica em episódios onde pessoas foram condenadas a penas brutais sem qualquer motivo. 

A meu ver, a garantia da legalidade é uma das principais conquistas de qualquer sociedade que se considere civilizada. 

Prosseguimos.

Entretanto, nessa nova sociedade, não havia um código penal, prevendo crimes e penas. Compreensível, diante da novidade na qual os adolescentes se encontravam.

Eles, então, aplicaram o código penal que conheciam, da antiga sociedade onde viviam, onde, logicamente, homicídio era um delito, sem qualquer sombra de dúvida.

Através do princípio da legalidade, além da previsão de crimes e penas, o estado irá determinar a forma de apuração desses crimes e como serão julgados, de forma que ninguém será tratado de modo diverso.

Essa é a garantia do devido processo legal, prevista no art. 5º, LIII a LVII, CF/88:

LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Cada pessoa saberá quem será o responsável pelo seu julgamento, sem surpresas, tendo um processo justo, com direito à defesa digna e somente irá cumprir a pena quando houver mais possibilidade de recorrer, já que ele pode ser inocente e condenado por erro.

Infelizmente, nada disso foi visto no programa e não havia desculpas para esses erros e equívocos.

Apesar de serem adolescentes, vivemos conectados. Estamos na era da informação, onde qualquer dado está a nossa disposição. E eles tinham livros e outros materiais à mão que pudessem orientá-los em como proceder.

O julgamento pelo júri foi baseado no que eles viam na TV. Compreensível, já que se tratava do primeiro caso criminal do "novo mundo".

Logicamente, a juíza foi a autoridade mais alta dessa sociedade primeva, eis que sua função é, tão-somente, aplicar a pena. Mas qual pena?

O adolescente responsável pela investigação serviu de promotor de justiça, sendo o imbuído da função de acusar o suspeito.

A juíza fez questão que outro adolescente procedesse a defesa do acusado, mas sem entender, exatamente, a importância da função. 

O acusado foi indiciado depois de uma denúncia não-anônima e da arma do crime ter sido encontrada consigo, apesar de não se poder exigir uma perícia para comprovar sua culpa, como vimos em programas como CSI, por exemplo. Compreensível. Porém, ele confessou o fato, o que encerrou qualquer dúvida de culpa.

O júri foi composto pelos membros mais seletos dentre eles, ao invés de terem sido escolhidos de forma aleatória. Ao final, ele foi considerado culpado pelos jurados.

Era o momento de determinar sua pena e aplicá-la.

Aqui, a pena foi decidida de forma isolada pela juíza, sem qualquer questionamento pelos demais membros daquele grupo. 

A pena cominada foi a de morte, como forma de punir de modo proporcional o infrator e servir de ameaça a novos delitos da mesma natureza. 

Obviamente, diante da morte certa, o acusado se arrependeu, mas já era tarde demais.

A pena foi executada.

O modo como cada um dos executores lidou com o fato demanda um texto próprio, já que trata da própria teoria da pena e seus múltiplos desdobramentos.

Por que, então, admirável mundo (velho)?

Porque, depois desse incidente isolado, tais erros não foram corrigidos.

Cada problema penal foi tratado de forma individual, sem previsão legal.

Não havia um código de conduta e de penas a serem seguidos pelo grupo.

Não havia um livro de regras de como agir nos próximos casos.

Não havia respeito ou um mínimo de noção da ideia de legalidade penal.

Academicamente, no âmbito da pura teoria, é irracional se duvidar dessa garantia. Ela é óbvia, lógica, porém, em um programa no qual os protagonistas são adolescentes, sem ideia de um mundo maior que os circunda. Ademais, eles vivem em uma era onde seria normal se esperar que agissem mais mais conhecimento de seus direitos e deveres e tivessem mais noção de direitos e garantias básicas para um viver harmônico.

Ledo engano.

Nenhuma garantia possui autoridade por si só. É preciso que cada uma seja constantemente reafirmada e protegida quando violada, lesada ou ameaçada.

Portanto, direitos humanos x direitos dos manos parece ser uma conclusão compreensível para quem seja de fora do sistema jurídico-penal, mas inadmissível para quem jurou defender os primados de nossa sociedade.

Falta assistir apenas ao último episódio do programa, momento em que, novamente, a Teoria do Estado se mostra mais sensível e tensa.

Talvez haja material para uma nova coluna de direito penal, contudo, pelo "andar da carruagem",não tenho mais fé na série.

Importantes debates sobre direito, política e sociedade poderiam ter sido travados se o foco não fosse as relações (superficiais) dos múltiplos personagens.

Ainda bem que esta temporada acaba no 10º episódio.

No próximo texto vou fazer comentários residuais sobre temas pontuais que apareceram, sendo um deles bem interessante e que está na moda brasileira:

ARMAS.

Até a próxima.


domingo, 2 de junho de 2019

DIREITO PENAL (INTERNACIONAL)

"NÓS SEMPRE TEREMOS PARIS"
(Casablanca, 1942)

Boa noite. Hoje, domingo, irei inverter a ordem da pauta normal para este dia e irei escrever algumas linhas sobre Direito Penal, a matéria dos textos de terça-feira.

E o título deste texto já indica os motivos dessa troca.

Mas, para quem "não entendeu a referência", uma breve explicação.

Ontem, dia 01 de junho de 2019, a noite da mídia, tanto policial quanto esportiva, dedicou-se a um único tema: um famoso jogador de futebol brasileiro foi acusado de ter estuprado uma mulher em outro país. O fato teria ocorrido há cerca de 15 dias, mas apenas ontem a vítima registrou a ocorrência e, instantaneamente, a notícia espalhou-se com uma velocidade comum ao impacto, já tendo o investigado se pronunciado em rede nacional, contando a sua versão dos fatos e mais outros detalhes.

Obviamente, não irei expor o personagem dessa história, a fim de preservá-lo e, também, porque não nutro nenhum adjetivo ao mesmo, seja como atleta ou pessoa. Contudo, quem ler este texto já sabe de quem se trata, sendo irrelevante mencionar o jogador.

O importante é: E daí, o que vai acontecer agora? O crime aconteceu fora do Brasil.

Sim, os suposto crime teria ocorrido em Paris, França, mas isso não impede que o jogador seja investigado, processado e, quiçá, condenado pelo Brasil.

Este é um tema praticamente nada abordado nas disciplinas de direito penal e processo penal nas faculdades de Direito. Passa-se batido por isso, logo, irei fazer rápidas considerações, eis que, pelo que li e investiguei, não parece haver dúvidas sobre os motivos que legitimam eventual condenação do atleta no Brasil por crime ocorrido no estrangeiro.

De forma direta, as respostas estão no art. 7º, II, "b" e § 2º, do Código Penal:

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: 

II - os crimes:

b) praticados por brasileiro; 

§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: 

a) entrar o agente no território nacional; 
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; 
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; 
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; 
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

Vê-se, portanto, que todos os pré-requisitos legais encontram-se presentes.

Os fatos ocorreram fora do Brasil: 

O suspeito é brasileiro (nato).  

Certamente estupro também é um crime na França. 

Provavelmente este crime, pela sua gravidade, prevê a extradição. 

Os fatos ocorreram há 2 semanas, logo, o crime, em tese, não prescreveu, o suspeito não cumpriu pena e nem fora absolvido ou tenha tido declarada a extinção de sua punibilidade. 

Desses, o que exige mais cuidado é aquele previsto na alínea "a" do § 2º: entrar o agente no território nacional. 

Ao tomar conhecimento da história, todo profissional do Direito sabe, ainda que por intuição, que o atleta poderia ser punido por um crime cometido fora do país, contudo, essa condição é uma condição processual para que seja dado prosseguimento à investigação.

Nesse sentido, um julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ):

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL QUE APURA CRIME DE FURTO PERPETRADO POR BRASILEIRO, CONTRA VÍTIMA BRASILEIRA, AMBOS RESIDENTES NO JAPÃO. ITER CRIMINIS INTEGRALMENTE OCORRIDO NO EXTERIOR. REGRESSO DO AGENTE AO PAÍS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.
1. Aplica-se a extraterritorialidade prevista no art. 7.º, inciso II, alínea b, e § 2.º, alínea a, do Código Penal, se o crime foi praticado por brasileiro no estrangeiro e, posteriormente, o agente ingressou em território nacional.
2. Nos termos do art. 88 do Código de Processo Penal, sendo a cidade de São Paulo/SP o último domicílio do indiciado, é patente a competência do Juízo da Capital do Estado de São Paulo.
3. Afasta-se a competência da Justiça Federal, tendo em vista a inexistência de qualquer hipótese prevista no art. 109 da Carta da República, principalmente, porque todo o iter criminis ocorreu no estrangeiro.
4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária de São Paulo.
(CC 115.375/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/10/2011, DJe 29/02/2012) (grifo nosso)

A autoridade policial, ao tomar ciência do ocorrido, nada poderia fazer até que o suspeito ingressasse no Brasil, o que aconteceu recentemente, logo, explica-se, em tese, o lapso temporal entre os fatos e a denúncia e sua publicização.

E por que nosso sistema admite, prevê, que brasileiros sejam processados e punidos por crimes cometidos FORA do Brasil?

Inicialmente, um das regras básicas do direito internacional é o princípio da reciprocidade. 

Cada país é soberano ao determinar suas próprias leis e normas jurídicas. Não é preciso que todos os países tenham as mesmas leis e regras; cada Direito é decorrente das normas e cultura de cada povo, porém, com o passar do tempo e das trocas de experiências, algumas condutas têm sido imitadas e repetidas, além de que, os direitos humanos são válidos para todos os humanos, independentemente de cor, sexo, credo etc, logo, não existe motivo para um direito humano e fundamental ser respeitado em um país e negado noutro, contudo, esta discussão é profunda demais para ser feita aqui e agora.

Ademais, por uma questão de educação, é normal que países se respeitem e adotem práticas comuns para fatos semelhantes. Portanto, muitas condutas são previstas como crimes em diversos países, garantindo o direito ao julgamento do infrator.

Por isso, o Brasil já prevê, previamente, quando um brasileiro pode ser processado, respeitando-se a garantia da legalidade, por consequência.

Esse é o teor do princípio da extraterritorialidade.

Assim, ninguém pode se valer da proteção jurídica ao abrigar-se em sem seu país de origem, evitando ser punido por crime cometido lá fora. Além disso, também existem situações onde a gravidade do crime é tamanha ao interesse brasileiro que se permite que o agente, mesmo não sendo brasileiro, seja punido pelas leis brasileiras quando o delito ocorre fora das fronteiras nacionais. Tais situações estão disciplinadas no art. 7º, I, CP.

O Brasil, assim como muitos outros países, não extraditam seus nacionais, ou seja, brasileiros (natos), contudo, para evitar que seus atos fiquem impunes, admite-se que sejam processados no país de origem. Estrangeiros que também cometam crimes contra vítimas brasileiras, fora do país, também podem ser processados segundo as leis do Brasil. As regras estão previstas no art. 7º, II, § 3º, CP.

Essa possibilidade relaciona-se ao princípio da personalidade (ou nacionalidade). 

Por fim, e por óbvio também, apenas quando o suspeito do crime ingressar em solo brasileiro ele estará sujeito às leis nacionais, eis que, como dito acima, trata-se de uma regra básica de direito internacional: cada país aplica, dentro de suas fronteiras, suas leis.

No caso do atleta, a vítima poderia ter registrado a ocorrência no país em que o fato supostamente ocorreu, não havendo nenhum empecilho para que o suspeito fosse lá investigado, processado e, eventualmente, condenado segundo as leis francesas.

Todavia, o suspeito está submetido a duas leis (Brasil e França), devendo ser submetido àquele que lhe for mais benéfica, sendo este um princípio mais básico de direito penal. 

O fato do suspeito residir em outro país não impede que seja processado e julgado aqui, sendo esse detalhe uma questão processual menor e de natureza logística para a execução dos atos normais do processo.

Agora, é esperar o normal prosseguimento do inquérito.

O 1º ato já foi determinado e, como não poderia deixar de ser, é atípico.

O boletim de ocorrência foi registrado em uma delegacia de polícia em uma cidade na região metropolitana de São Paulo, contudo, o atleta encontra-se, hoje, no Rio de Janeiro, fora da circunscrição da autoridade policial responsável pelo caso.. Outro episódio de extraterritorialidade, desta vez, processual...

Aguardemos...

PS: Casablanca é um de meus filmes preferidos e a frase que dá título a este texto é memorável e única.

Referências:

Superior Tribunal de Justiça - Conflito de competência nº 115.375/SP

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de competência nº 115.375/SP. Terceira Seção. Rel: Min. Laurita Vaz, j. 26 out. 2011. Disponível em: https://www.stj.jus.br. Acesso em: 02 jun. 2019.

Código Penal brasileiro


Casablanca

CASABLANCA.  Direção: Michael Curtiz. Produção: Hal B. Wallis. Intérpretes: Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Paul Henreid, Claude Rains, Conrad Veidt, Sydney Greenstreet e Peter Lorre. Roteiro: Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e Howard Koch. Música: Max Steiner. Los Angeles: Warner Brothers, 1942. 1 DVD (102 min), P&B.

FELIZ ANIVERSÁRIO!!! Hoje, a postagem será singela. O blog está fazendo 1 ano de vida nesta data: 01 de abril de 2020. Não pode...