domingo, 2 de junho de 2019

DIREITO PENAL (INTERNACIONAL)

"NÓS SEMPRE TEREMOS PARIS"
(Casablanca, 1942)

Boa noite. Hoje, domingo, irei inverter a ordem da pauta normal para este dia e irei escrever algumas linhas sobre Direito Penal, a matéria dos textos de terça-feira.

E o título deste texto já indica os motivos dessa troca.

Mas, para quem "não entendeu a referência", uma breve explicação.

Ontem, dia 01 de junho de 2019, a noite da mídia, tanto policial quanto esportiva, dedicou-se a um único tema: um famoso jogador de futebol brasileiro foi acusado de ter estuprado uma mulher em outro país. O fato teria ocorrido há cerca de 15 dias, mas apenas ontem a vítima registrou a ocorrência e, instantaneamente, a notícia espalhou-se com uma velocidade comum ao impacto, já tendo o investigado se pronunciado em rede nacional, contando a sua versão dos fatos e mais outros detalhes.

Obviamente, não irei expor o personagem dessa história, a fim de preservá-lo e, também, porque não nutro nenhum adjetivo ao mesmo, seja como atleta ou pessoa. Contudo, quem ler este texto já sabe de quem se trata, sendo irrelevante mencionar o jogador.

O importante é: E daí, o que vai acontecer agora? O crime aconteceu fora do Brasil.

Sim, os suposto crime teria ocorrido em Paris, França, mas isso não impede que o jogador seja investigado, processado e, quiçá, condenado pelo Brasil.

Este é um tema praticamente nada abordado nas disciplinas de direito penal e processo penal nas faculdades de Direito. Passa-se batido por isso, logo, irei fazer rápidas considerações, eis que, pelo que li e investiguei, não parece haver dúvidas sobre os motivos que legitimam eventual condenação do atleta no Brasil por crime ocorrido no estrangeiro.

De forma direta, as respostas estão no art. 7º, II, "b" e § 2º, do Código Penal:

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: 

II - os crimes:

b) praticados por brasileiro; 

§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: 

a) entrar o agente no território nacional; 
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; 
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; 
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; 
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

Vê-se, portanto, que todos os pré-requisitos legais encontram-se presentes.

Os fatos ocorreram fora do Brasil: 

O suspeito é brasileiro (nato).  

Certamente estupro também é um crime na França. 

Provavelmente este crime, pela sua gravidade, prevê a extradição. 

Os fatos ocorreram há 2 semanas, logo, o crime, em tese, não prescreveu, o suspeito não cumpriu pena e nem fora absolvido ou tenha tido declarada a extinção de sua punibilidade. 

Desses, o que exige mais cuidado é aquele previsto na alínea "a" do § 2º: entrar o agente no território nacional. 

Ao tomar conhecimento da história, todo profissional do Direito sabe, ainda que por intuição, que o atleta poderia ser punido por um crime cometido fora do país, contudo, essa condição é uma condição processual para que seja dado prosseguimento à investigação.

Nesse sentido, um julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ):

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL QUE APURA CRIME DE FURTO PERPETRADO POR BRASILEIRO, CONTRA VÍTIMA BRASILEIRA, AMBOS RESIDENTES NO JAPÃO. ITER CRIMINIS INTEGRALMENTE OCORRIDO NO EXTERIOR. REGRESSO DO AGENTE AO PAÍS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.
1. Aplica-se a extraterritorialidade prevista no art. 7.º, inciso II, alínea b, e § 2.º, alínea a, do Código Penal, se o crime foi praticado por brasileiro no estrangeiro e, posteriormente, o agente ingressou em território nacional.
2. Nos termos do art. 88 do Código de Processo Penal, sendo a cidade de São Paulo/SP o último domicílio do indiciado, é patente a competência do Juízo da Capital do Estado de São Paulo.
3. Afasta-se a competência da Justiça Federal, tendo em vista a inexistência de qualquer hipótese prevista no art. 109 da Carta da República, principalmente, porque todo o iter criminis ocorreu no estrangeiro.
4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária de São Paulo.
(CC 115.375/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/10/2011, DJe 29/02/2012) (grifo nosso)

A autoridade policial, ao tomar ciência do ocorrido, nada poderia fazer até que o suspeito ingressasse no Brasil, o que aconteceu recentemente, logo, explica-se, em tese, o lapso temporal entre os fatos e a denúncia e sua publicização.

E por que nosso sistema admite, prevê, que brasileiros sejam processados e punidos por crimes cometidos FORA do Brasil?

Inicialmente, um das regras básicas do direito internacional é o princípio da reciprocidade. 

Cada país é soberano ao determinar suas próprias leis e normas jurídicas. Não é preciso que todos os países tenham as mesmas leis e regras; cada Direito é decorrente das normas e cultura de cada povo, porém, com o passar do tempo e das trocas de experiências, algumas condutas têm sido imitadas e repetidas, além de que, os direitos humanos são válidos para todos os humanos, independentemente de cor, sexo, credo etc, logo, não existe motivo para um direito humano e fundamental ser respeitado em um país e negado noutro, contudo, esta discussão é profunda demais para ser feita aqui e agora.

Ademais, por uma questão de educação, é normal que países se respeitem e adotem práticas comuns para fatos semelhantes. Portanto, muitas condutas são previstas como crimes em diversos países, garantindo o direito ao julgamento do infrator.

Por isso, o Brasil já prevê, previamente, quando um brasileiro pode ser processado, respeitando-se a garantia da legalidade, por consequência.

Esse é o teor do princípio da extraterritorialidade.

Assim, ninguém pode se valer da proteção jurídica ao abrigar-se em sem seu país de origem, evitando ser punido por crime cometido lá fora. Além disso, também existem situações onde a gravidade do crime é tamanha ao interesse brasileiro que se permite que o agente, mesmo não sendo brasileiro, seja punido pelas leis brasileiras quando o delito ocorre fora das fronteiras nacionais. Tais situações estão disciplinadas no art. 7º, I, CP.

O Brasil, assim como muitos outros países, não extraditam seus nacionais, ou seja, brasileiros (natos), contudo, para evitar que seus atos fiquem impunes, admite-se que sejam processados no país de origem. Estrangeiros que também cometam crimes contra vítimas brasileiras, fora do país, também podem ser processados segundo as leis do Brasil. As regras estão previstas no art. 7º, II, § 3º, CP.

Essa possibilidade relaciona-se ao princípio da personalidade (ou nacionalidade). 

Por fim, e por óbvio também, apenas quando o suspeito do crime ingressar em solo brasileiro ele estará sujeito às leis nacionais, eis que, como dito acima, trata-se de uma regra básica de direito internacional: cada país aplica, dentro de suas fronteiras, suas leis.

No caso do atleta, a vítima poderia ter registrado a ocorrência no país em que o fato supostamente ocorreu, não havendo nenhum empecilho para que o suspeito fosse lá investigado, processado e, eventualmente, condenado segundo as leis francesas.

Todavia, o suspeito está submetido a duas leis (Brasil e França), devendo ser submetido àquele que lhe for mais benéfica, sendo este um princípio mais básico de direito penal. 

O fato do suspeito residir em outro país não impede que seja processado e julgado aqui, sendo esse detalhe uma questão processual menor e de natureza logística para a execução dos atos normais do processo.

Agora, é esperar o normal prosseguimento do inquérito.

O 1º ato já foi determinado e, como não poderia deixar de ser, é atípico.

O boletim de ocorrência foi registrado em uma delegacia de polícia em uma cidade na região metropolitana de São Paulo, contudo, o atleta encontra-se, hoje, no Rio de Janeiro, fora da circunscrição da autoridade policial responsável pelo caso.. Outro episódio de extraterritorialidade, desta vez, processual...

Aguardemos...

PS: Casablanca é um de meus filmes preferidos e a frase que dá título a este texto é memorável e única.

Referências:

Superior Tribunal de Justiça - Conflito de competência nº 115.375/SP

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de competência nº 115.375/SP. Terceira Seção. Rel: Min. Laurita Vaz, j. 26 out. 2011. Disponível em: https://www.stj.jus.br. Acesso em: 02 jun. 2019.

Código Penal brasileiro


Casablanca

CASABLANCA.  Direção: Michael Curtiz. Produção: Hal B. Wallis. Intérpretes: Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Paul Henreid, Claude Rains, Conrad Veidt, Sydney Greenstreet e Peter Lorre. Roteiro: Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e Howard Koch. Música: Max Steiner. Los Angeles: Warner Brothers, 1942. 1 DVD (102 min), P&B.

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